sexta-feira, 28 de novembro de 2014


O poderoso polegar de Wes Montgomery, o Mago da Guitarra no Jazz

Os puristas do jazz não aceitaram que Wes Montgomery “se rendesse à música comercial”. Montgomery não se preocupava com isso.
Wes Montgomery tinha dezenove anos quando ouviu a gravação de Solo Flight, com a Orquestra de Benny Goodman, apresentando Charlie Christian na guitarra. Aquele som o impressionou tanto que ele, imediatamente, deu um jeito de comprar uma guitarra e um amplificador. E começou a estudar, sozinho, como tocar o instrumento.
Comprou todos os discos de Christian que encontrou e passou a repetir, nota por nota, cada um dos solos da guitarra do músico. Wes Montgomery já estava casado e trabalhava como soldador durante o dia. Por isso, estudava a guitarra à noite.
Como os vizinhos reclamavam do “barulho”, ele buscou uma maneira de suavizar o ataque às cordas do instrumento. Abandonou a palheta e passou a tocar diretamente com o polegar sobre as cordas. Assim ele descobriu, por puro acaso, um novo som para a guitarra, que resultou mais suave e agradável aos ouvidos.
Em um ano, Wes Montgomery estava tocando nos clubes de jazz de Indianápolis, sua cidade natal, imitando os solos de Charlie Christian. O contato com outros músicos, ampliou suas possibilidades, fazendo com que desenvolvesse seus próprios conceitos musicais.
Aliado ao estilo nada ortodoxo de tocar a guitarra com o polegar, Wes Montgomery aperfeiçoou o modo de tocar em oitavas, fazendo passagens de acordes com grande fluência, como se fossem notas simples. Essas nuances lhe permitiram criar solos surpreendentes, repletos de detalhes ousados.
Wes Montgomery, o Mago da Guitarra no Jazz (Foto: Divulgação)

Wes Montgomery chegou ser uma celebridade local em Indianápolis. Mas para garantir o sustento da família, que sempre crescia, continuava trabalhando como soldador na fábrica de peças para rádios. Seu expediente lá era de sete da manhã às três da tarde.
O músico voltava para casa e descansava até às oito da noite. De nove às duas da manhã, Montgomery tocava no Turf Bar. E entre as duas e meia e as cinco, dava expediente no Missile Room, outro clube de jazz da cidade. Essa foi sua rotina durante muitos anos.
Em 1959, Orrin Keepnews montou a Riverside Records e buscava talentos para sua nova gravadora. O saxofonista Cannonball Adderley ouviu Wes Montgomery tocando no Missile Room e ligou para o produtor, em Nova York. Disse a ele que havia ali um Mago da Guitarra, que não havia ainda se revelado.
Wes Montgomery foi imediatamente contratado, lançando no mesmo ano o sei primeiro álbum, The Wes Montgomery Trio, que abre com o tema ‘Round Midnight. Os críticos consideram que a fase da Riverside Records foi a mais importante na carreira de Montgomery. Ali ele se tornou o guitarrista mais influente na história do jazz, estabelecendo uma nova linguagem para o gênero.
Quando a Riverside faliu, em 1964, o produtor Creed Taylor levou Wes Montgomery para a gravadora Verve e depois para a A&M. Seu som suave e aveludado tornou-se mais pop e seu repertório passou a incluir os sucessos do momento, mais conhecidos do grande público.
Os puristas do jazz não aceitaram que Wes Montgomery “se rendesse à música comercial”. Montgomery não se preocupava com isso. Dizia que adorava o jazz mas precisava dar de comer a seus sete filhos.
Wes Montgomery morreu jovem, aos 45 anos, em 1968, de um infarto fulminante, no auge de seu sucesso. Aqui o vemos em um vídeo de 1966, gravado na Bélgica,  com Harold Mabern, no piano; Arthur Harper, no baixo; e Jimmy Lovelace, na bateria. O tema é a sua composição Twisted Blues.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O jazz fora do tempo de Dave Brubeck - Artigo no Blog do Noblat


A crítica à primeira apresentação de seu álbum Time Out (1959), em Nova York frustrou muito o pianista Dave Brubeck. Ele se sentiu absolutamente incompreendido quando, no dia seguinte ao show, leu no jornal que os músicos do Quarteto Brubeck eram incapazes de se manterem no mesmo tempo da música. Tocava cada um em uma batida.

O uso da polirritmia era a novidade absoluta que Dave Brubeck incorporava ao jazz e os críticos da época não compreendiam. Naquela noite, em especial, no Carnegie Hall, Brubeck havia saído exultante. Ele considerava que o grupo tinha chegado à perfeição. Todos tocando o mesmo tema, em diferentes tempos, ao mesmo tempo e cada um segurando sua batida individual todo o tempo. Para ele, foi uma apresentação fantástica.

O conceito da polirritmia, Dave Brubeck desenvolveu na adolescência, trabalhando na fazenda de gado de seu pai, na Califórnia. Durante os longos percursos a cavalo pelas terras do rancho, ele ia ouvindo aquele pocotó-pocotó de cascos o tempo inteiro. Para se distrair, começou a jogar com os ritmos da cavalgada, pensando em uma batida de contraponto.

Como o cavalo mantinha seu ritmo, depois do primeiro contraponto criado, Dave Brubeck partia para a criação de uma terceira batida, de encontro às outras duas. A brincadeira ia ficando cada vez mais difícil e desafiadora. “Mas como você não tinha mesmo muita coisa para fazer nessas horas, podia muito bem tentar fazer isso” contava ele.

Contudo, nesse período, a música não estava nos planos de carreira para Dave Brubeck. Ele tinha lições de piano com sua mãe, desde pequeno, mas, profissionalmente, se preparava para ser veterinário e ajudar seu pai na fazenda.

Em uma aula de zoologia, no entanto, o professor chamou a atenção do jovem, que não se concentrava na matéria. Sua cabeça estava do outro lado da rua, no conservatório. “Por favor, vá embora e pare de desperdiçar seu tempo e o meu”, se disse o mestre.

E assim ele ingressou na Faculdade de Música, da Universidade do Pacífico. Mas quase foi expulso antes do fim do curso, quando um professor descobriu que Brubeck não conseguia ler música. Nunca tinha aprendido, talvez, pela acentuada miopia.

Os outros professores o defenderam. Disseram que sua habilidade no domínio do contraponto e da harmonia mais do que compensava essa deficiência. Mas a reitoria temia um escândalo se deixasse um aluno se graduar em música sem saber ler pautas. Chegaram a um acordo quando Brubeck prometeu que nunca iria dar aulas e assim não seria posto a prova.

Quando montou seu famoso quarteto, Dave Brubeck já tinha muito claro o que queria fazer. Foi buscar os elementos das músicas orientais e ritmos africanos, misturando tudo com o jazz. Experimentando mesclas ainda desconhecidas como na peça Blue Rondo a la Turk, do clássico álbum Time Out.

Ainda que os críticos não o tenham compreendido, o disco foi total sucesso de público. Foi o primeiro álbum de jazz a alcançar a categoria de Disco de Ouro, com mais de um milhão de cópias vendidas. A música principal, que marca o estilo do grupo, é Take Five. Neste vídeo, temos uma gravação realizada na Bélgica, em 1964. O Dave Brubeck Quartet está formado por Paul Desmond, no sax alto; Eugene Wright, no baixo; Joe Morello, na bateria; e Dave Brubeck, no piano.



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Moacir Santos e o seu “Coisas” homenageados por Wynton Marsalis em Nova York 

Compositor prolífico, sua música mescla as influências afro latinas combinadas com o improviso e as harmonias do jazz.
No último final de semana, em Nova York, a Orquestra de Jazz do Lincoln Center, dirigida pelo trompetista Wynton Marsalis, prestou um tributo ao maestro Moacir Santos. A homenagem teve como título “The Brazilian Duke Ellington”. No repertório, as peças do álbum Coisas, de 1965, ganharam novos arranjos dos integrantes da orquestra.
Compositor prolífico, sua música mescla as influências afro latinas combinadas com o improviso e as harmonias do jazz. É o próprio Wynton Marsalis quem ressalta que Moacir Santos, falecido em 2006, ainda não teve o reconhecimento que merece, como um dos músicos mais importantes do Brasil.
Trajetória singular e muito especial a desse maestro negro nascido em 1926, na pequena Flores do Pajeú, hoje município de Serra Talhada, interior de Pernambuco. Órfão aos dois anos, o menino Moacir foi adotado por uma família branca da cidade. Se de uma parte, pôde ter acesso a educação escolar e musical, de outra, sofreu com os maus-tratos de seus pais adotivos.
Com quatorze anos, Moacir Santos fugiu dessa casa. De carona em um caminhão de feijão, foi parar em Rio Branco, no Acre. Sua formação musical lhe proporcionou ali uma nova família. O maestro da escola local, adotou o jovem, que além do saxofone, da clarineta e do trompete, ainda tocava o banjo, o violão e o cavaquinho.
Mudou-se com essa família para Recife, mas acabou desentendendo-se, também, com o novo padrasto e caiu na estrada outra uma vez. Entrou para uma trupe de circo. Viajou todo o Nordeste com o grupo e parou na Paraíba. Em João Pessoa, assumiu o comando da Orquestra da Rádio Tabajara, no lugar do maestro Severino Araújo, que estava indo para o Rio.
Tudo isso Moacir Santos viveu antes de completar dezoito anos de idade.
Moacir Santos (Foto: Agliberto Lima / AE)
Moacir Santos (Imagem: Agliberto Lima / AE)

Em 1948, aos 22 anos, vai tentar a vida no Rio de Janeiro. Com o talento e a sorte, não demora a ser contratado como saxofonista da Orquestra da Rádio Nacional, o melhor emprego que um músico poderia encontrar, naquela época.
Muito aplicado, Moacir Santos foi estudar música clássica e formou-se em regência. Foi para os Estados Unidos em 1967, onde construiu uma sólida carreira como compositor, arranjador e professor.
Em seus tempos de Rádio Nacional, era para o aluno Baden Powel que Moacir Santos costumava mostrar suas composições. “Ouve essa coisa que eu fiz”, dizia ele a Baden. “E ouve essa outra coisa aqui...”. Assim se referia o músico às suas peças.
Quando foi gravar seu primeiro álbum solo, o engenheiro lhe perguntou o nome da música que havia tocado. Nesse momento veio a inspiração das peças clássicas, denominadas por número, e ele a batizou como a Coisa nº 1, da mesma maneira que uma sinfonia. As outras músicas foram, naturalmente, a Coisa nº 2, a Coisa nº 3 e assim, adiante. O disco, lançado pela gravadora Forma, ganhou o nome superoriginal: Coisas.
Wynton Marsalis e a Jazz at Lincoln Center Orchestra tocaram algumas dessas Coisas e outros temas compostos por Moacir Santos. O melhor foi que o concerto pôde ser acompanhado, ao vivo pela internet. Vale a pena seguir a programação da orquestra no endereço: http://new.livestream.com/jazz..
O tema que abriu o programa foi Amphibious, que podemos escutar aqui em uma apresentação de 2005, com Wynton Marsalis e Zé Nogueira.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Esperanza Spalding, catedrática aos 30 anos - Artigo no Blog do Noblat

Os 30 anos de Esperanza Spalding, a jovem catedrática do baixo

Quatro álbuns solo, e participações em discos de Joe Lovano, Stanley Clark, Mike Stern, Jack DeJohnette, entre outros, Esperanza Spalding é um talento consagrado.
Amanhã, 18 de outubro, a jovem baixista americana Esperanza Spalding completa 30 anos de vida. Apesar de tão nova, ela já tem 15 anos de carreira e quatro prêmios Grammy. É verdadeiramente um prodígio. E por não acreditar em prodígios, demorei a dar o devido crédito que ela merece.
Quando ganhei de presente o cd Esperanza, de 2008, seu segundo álbum de estúdio, não me entusiasmei muito. Demorei a escutá-lo. Pensava que seria mais uma nova cantora de jazz. E da mesma maneira que surgia, desapareceria, sem deixar grandes marcas.
Mas, para minha surpresa, não foi assim. Na primeira audição, o primeiro impacto, uma peça difícil, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, Ponta de Areia, abre o disco. Onde essa menina, com 24 anos então, havia ido buscar um repertório de música brasileira tão sofisticado? Mais ainda porque o disco encerra com outro tema, igualmente, muito difícil, Samba em Prelúdio, de Baden e Vinícius.
Quando conhecemos sua história a admiração cresce. Nascida em Portland, no Oregon,
Esperanza Spalding foi criada pela mãe em um bairro que ela descreve como “assustador”. O pai, desaparecido, era negro, enquanto a mãe era descendente de índios americanos e porto-riquenhos.
Em sua casa se ouvia muita música, de todos os gêneros. E ela, desde pequena, além de soul, jazz, mambo ouvia Chico Buarque, Milton Nascimento e João Bosco. A paixão pela música surgiu muito cedo, aos cinco anos, vendo Yo-Yo Ma tocando seu cello em um programa infantil na televisão. Ela conta ter dito à sua mãe que era aquilo que queria fazer.
Sua mãe conseguiu que a criança fosse aceita na Chamber Music Society of Oregon e iniciasse ali as lições de violino. Esperanza Spalding deixou a instituição como concertista, aos 15 anos. E foi por essa época que descobriu o jazz e passou a tocar o baixo, integrando um grupo que tocava em casas noturnas de Portland.
Aos 16 anos, faz o exame de ingresso no Berklee College of Music, a mais prestigiosa escola de jazz dos Estados Unidos. Além de ser aceita, seu desempenho lhe garantiu uma bolsa de estudos integral. E lá pôde desenvolver seu talento, estudando e tocando com alguns dos músicos mais importantes do jazz. Entre seus grandes incentivadores estão Jonh Lockwood, Pat Matheny e Joe Lovano.
Quando se formou, aos 20 anos, Esperanza Spalding foi convidada para permanecer na instituição como professora de seu instrumento, o baixo. Tornou-se a professora mais jovem a ser contratada na história de Berklee College.
Hoje, com quatro álbuns solo, e inúmeras participações em discos de Joe Lovano, Stanley Clark, Mike Stern, Jack DeJohnette, entre outros, Esperanza Spalding é um talento absolutamente consagrado. Seus novos caminhos a têm aproximado mais ao pop e ao soul, sem contudo afastar-se do jazz.
Vale a pena assistir sua performance ao vivo com Ponta de Areia. Com ela estão Leo Genovese, nos teclados, Ricardo Vogt, na guitarra e Otis Brown no baixo. E todos a acompanham no vocal.

domingo, 5 de outubro de 2014

Gato Barbieri, o jazzman argentino que aprendeu com Glauber Rocha a gostar de tango

Leandro “Gato” Barbieri, completa 80 anos em novembro próximo. Uma lenda do Latin Jazz, que antes renegava suas raízes latinas. Em um momento de crise de identidade, e de criatividade, foi o cineasta brasileiro Glauber Rocha quem lhe deu o empurrão definitivo de volta às origens. E foi a leitura jazzy do tango que projetou Barbieri no cenário internacional.
Desde pequeno, Gato Barbieri se ligava no jazz. O tango e outros gêneros tradicionais de seu país não o atraíam nem um pouco. Ele faz parte de uma geração, que, de certa maneira, rechaçava o tango. Essa música andava meio esquecida na Argentina de sua juventude. Era vista como coisa de velhos.
Gato Barbieri deixou a Argentina em 1962, depois que a cena jazz portenha ficou pequena demais para seu talento. Passou quase um ano no Rio de Janeiro, mas não ficou. Pôde, contudo, conhecer bem a música brasileira, como a peça Antonico, que gravaria depois.
Seguiu para Roma onde, ali sim, sua carreira deslanchou, junto com o grupo de free jazzdo trompetista Don Cherry. O estilo marcante do sax tenor de Gato Barbieri, com seu som rascante, meio rouco, e seus sobreagudos, vem do free jazz. Seu saxofone, às vezes, fala e outras, grita, forte.
Foi em sua temporada romana que Gato Barbieri conheceu Glauber Rocha, por meio do cineasta Gianni Amico. Barbieri já estava morando em Nova York, quando Glauber Rocha foi passar dois meses em sua casa, em 1968.
Gato conta que vivia um momento difícil, com o saxofone, havia meses, encostado. Pensava que nunca mais voltaria a tocar. Na origem de sua crise, o dilema: se o jazz era a linguagem do negro oprimido, não poderia ser a sua, que era branco e, como tal, opressor.
“Glauber Rocha me fez um raciocínio muito simples e impecável. Me fez ver que não bastava ser branco para ser opressor. Que nós, os latino americanos, da mesma maneira que os negros, pertencemos a outro mundo, igualmente oprimido, o Terceiro Mundo”, relata Barbieri.
Gato Barbieri voltou a Buenos Aires, em 1969, atrás de suas raízes. Recuperou a identidade perdida ouvindo as músicas que lhe haviam marcado, sem dar-se conta. Fez uma série de concertos em que tocava os tangos, boleros e chacareras de sua terra, junto com jazz e samba. Retornou a Nova York renovado. Lá, gravou o disco The Thrid World, o primeiro a refletir sua “riqueza de subdesenvolvido”, nas palavras de Glauber Rocha.
Quando Bernardo Bertolucci o convidou para escrever a trilha sonora de O Último Tango em Paris, Gato Barbieri estava pronto. Trilha sonora e filme se integram e se complementam perfeitamente. O êxito do filme levou a música de Barbieri para o mundo.
A popularidade definitiva veio com o álbum Caliente, de 1976, produzido por Herb Alpert. Nele está a peça Europa, composição de Carlos Santana. No vídeo a seguir, de 1977, um raro registro dos dois músicos tocando esse tema.


sábado, 20 de setembro de 2014

Louis Armstrong e a questão racial - Artigo no Blog do Noblat

Armstrong bota a boca no trombone contra a segregação racial

Flávio de Mattos
Louis Armstrong chegou a ser desclassificado por alguns militantes negros, por considerarem que ele não afrontava o racismo como deveria. Chamavam-no "Uncle Tom", pejorativo para o negro submisso. Por isso muitos se surpreenderam quando ele deixou seu trompete e botou a boca no trombone contra a discriminação de crianças negras no Arkansas.
Nascido em 1901, muito pobre, na velha Nova Orleans, sabia muito bem que devia driblar as agruras para poder sobreviver. Com sete anos, cantando nas ruas, conseguia as moedas que compravam a comida da família. Aos onze anos, Armstrong vai parar na Casa do Menor Abandonado Negro de Nova Orleans, onde tem suas primeiras lições de música.Quando sai do reformatório, com 14 anos, Louis Armstrong passa a tocar nas bandas dos barcos que viajam pelo rio Mississipi. Assim começa sua profissionalização como músico. De Nova Orleans para Chicago e de lá para Nova Iorque.
A carreira de Armstrong realmente decola a partir de sua participação no musical Hot Chocolates, no nightclub Connie's Inn, no Harlem de 1929. A casa competia com o famoso Cotton Club. Era, também, propriedade de mafiosos, com shows de negros, para a clientela de brancos endinheirados, que podiam pagar caro pela bebida ilegal, em tempos de Lei Seca.
A peça foi encomendada à dupla Fats Waller e Andy Razaf pelo gangster Dutch Schultz, de arma na mão. Ele queria que contassem a história de uma negra, abandonada por seu homem, que preferia uma branca. Razaf, o poeta negro, escreveu o texto, mas o deixou aberto a outras leituras.
É desse musical o primeiro grande sucesso de Louis Armstrong, a canção Ain't Misbehavin'. Nele está o mais emblemático dos temas: (What did I do to be so) Black and Blue. A letra (*), que seria o lamento da negra, falava mais da condição de miséria e pobreza, associadas à raça. Essa música se tornou uma marca de Armstrong, por toda a vida.
A canção estava no repertório do show que faria na noite de 17 de setembro de 1957, em Dakota do Norte. Mas a notícia naquele dia era que ano letivo havia começado e nove crianças negras estavam impedidas de frequentar a Central High School da cidade de Little Rock, no Arkansas. O Estado não aceitava o fim da segregação racial nas escolas públicas, mesmo depois de o próprio presidente Dwight Eisenhower ter se reunido com seu governador.
Entrevistado sobre o tema, Armstrong dessa vez não se conteve. Furioso, disse que Eisenhower não tinha “colhões” para fazer a lei se impor no Arkansas. Anunciou ainda a suspensão da turnê que faria pela União Soviética, como embaixador cultural dos Estados Unidos.
As palavras de Louis Armstrong repercutiram em todo o país. No dia 24 de setembro, o presidente Eisenhower enviou 1.200 soldados para garantirem o ingresso das nove crianças negras na escola de Little Rock.



 * (What did I do to be so) Black and Blue
(Fats Waller e Andy Razaf)
Cold empty bed...springs hurt my head
Feels like ole ned...wished I was dead
What did I do...to be so black and blue


Even the mouse...ran from my house
They laugh at you...and all that you do

What did I do...to be so black and blue


I'm white...inside...but, that dont help my case

Thats life...cant hide...what is in my face


How would it end...aint got a friend
My only sin...is in my skin

What did I do...to be so black and blue



Flávio de Mattosjornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereçosenado.leg.br/radio

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Billie Holiday e os três tenores, por Flávio de Mattos, no Blog do Noblat

MÚSICA

A presença do saxofone na linguagem do jazz foi estabelecida, basicamente, por Coleman Hawkins, seguido de perto por Ben Webster e Lester Young. Os três foram os mais importantes tenores da Era do Swing, iniciada nos anos de 1920.
Os caminhos dos três tenores sempre se cruzaram e sempre cruzaram, também, com o de Billie Holiday. Todos, inclusive a cantora, confessadamente influenciados pela maneira de tocar o trompete, criada por Louis Armstrong.
Coleman Hawkins foi quem tirou o sax tenor do puro acompanhamento para lhe dar protagonismo como solista. Hawkins tinha 19 anos e tocava com a orquestra de Fletcher Henderson. No grupo estava Louis Armstrong, já mais velho, com 22 anos. É o ano de 1923 e, por essa época, Ben Webster e Lester Young tinham 14 anos e participavam da Young Family Band.
Pouco mais de dez anos depois estavam todos em Nova York. Lester Young contratado para substituir Coleman Hawkins, na orquestra de Fletcher Henderson. Em 1934 ele também deixa o grupo e é substituído por Ben Webster.
Billie Holiday, então com 19 anos, cantava em um clube no Harlem. Já era profissional desde os 15 anos. Lá ela conheceu Lester Young, durante uma jam session. Os dois ficaram muito amigos e juntos ingressaram na Orquestra de Count Basie. Young, com seu sax tenor, ganhou destaque como o principal solista e Billie Holiday como crooner.
Ben Webster, foi contratado pela orquestra de Duke Ellington. E também tornou-se o principal solista da orquestra. Enquanto isso acontecia em Nova York, Coleman Hawkins passava uma temporada na Europa, colocando seu sax a serviço das bandas de lá.
Nos anos seguintes, os três tenores acompanharam Billie Holiday nas mais diversas ocasiões, em gravações e shows. Em 1957, a CBS colocou os quatro juntos em um especial para a televisão. Eram mais de 20 anos tocando juntos, todos se conheciam muito bem.
A peça escolhida foi Fine and Mellow, um blues composto pela própria Billie Holiday. A banda tinha ainda, um jovem Gerry Mulligan, no sax baixo; Roy Eldridge e Doc Cheatham nos trompetes; Vic Dikenson, no trombone; Mal Waldron, no piano; Milt Hinton, no baixo; e Osie Johnson, na bateria.
Billie Holiday possuía um estilo único de cantar, inspirado no próprio fazer do jazz, jogando com as frases e com o tempo. Ela dizia que não se sentia cantando, mas sim tocando um instrumento, como o sax ou o trompete. “Eu tento improvisar, como Les Young ou Louis Armstrong. O que sai, é o que eu sinto na hora”, Billie Holiday costumava explicar.
É isso o que vemos e ouvimos neste vídeo. O mais puro jazz, em todo seu esplendor.


Flavio de Mattos, jornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço:senado.leg.br/radio

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Colecionador vai catalogar todos os discos editados em vinil no País

13/08/2014 05h52 - Atualizado em 13/08/2014 06h51

"Quero todos os discos do Brasil", 

diz colecionador com 5 milhões de vinis

Zero Freitas tem equipe de 17 pessoas para catalogar discos; veja vídeo.
Ele se diz 'maluco' e busca todos os álbuns de música brasileira já lançados.


Rodrigo Ortega
Do G1, em São Paulo

Ter uma cópia de todos os vinis já lançados de música brasileira é o objetivo de Zero Freitas, empresário que já estima guardar 5 milhões de álbuns (entre nacionais e estrangeiros) em dois galpões em São Paulo. Ele chamou atenção entre colecionadores do mundo ao comprar 1 milhão de discos de um ex-lojista dos EUA, e foi destaque em reportagem da "New York Times Magazine" no dia 8 de agosto.

Zero contratou 16 estagiários — a maior parte estudantes de história — e uma gerente para catalogar os álbuns, em um galpão na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo. O G1 visitou o espaço com 500 mil discos, onde também funciona uma das empresas dele, que aluga luz e som para peças de teatro. Zero mostrou o processo de catalogação. Em outro galpão maior próximo, na Lapa, ele diz guardar mais 4,5 milhões de álbuns.

O empresário, músico e colecionador quer "todos os discos de música brasileira" pois tem "obsessão por memória e história". Além do acervo em galpões, ele contabiliza 100 mil discos em casa. Os que ficam nos galpões são catalogados em uma velocidade média de 500 por dia, o que não dá conta de escoar os lotes de centenas de milhares que ele compra em todo mundo.

Quem é Zero Freitas
José Roberto Alves Freitas, que adotou o apelido Zero, é um empresário paulista de 60 anos — ele aponta erro do "New York Times", que disse que sua idade é 62. Ele é graduado em Música pela Universidade de São Paulo (USP), e se especializou em trilhas para peças de teatro. Em paralelo, cuida de negócios de transporte da família. Hoje é diretor comercial da transportadora Benfica, que, entre outros negócios, opera linhas de ônibus em Diadema (SP).

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Oscar Castro-Neves e Roberto Menescal - A Morte de Um Deus de Sal

Sou fanzaço de Oscar Castro-Neves. É um músico que o Brasil ainda precisa descobrir. Como ele fez sua carreira toda nos Estados Unidos, acabou pouco conhecido por aqui.

Seus álbuns mais recentes nunca foram lançados no Brasil. São excelentes discos de música brasileira que mereciam ser conhecidos do público brasileiro. Sua memória precisa ser resgatada.

Buscando por aí encontrei esse vídeo de Oscar com Menescal e uma banda de craques. Merece ser visto.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

João Donato – Rei do Mambo aos 80 anos, por Flávio de Mattos

João Donato passou a vida toda sendo cult e finalmente agora é pop, aos 80 anos. Adorado pelos músicos, aclamado pela crítica, o seu reconhecimento pelo público era absolutamente escasso. Sua música era conhecida, mas o músico, não. As composições mais famosas eram atribuídas sempre aos parceiros ou aos intérpretes.
As pessoas não sabiam que A PazBananeira; e Lugar Comum, por exemplo, tinham melodia de João Donato, com letra de Gilberto Gil. Mesmo A Rã, êxito dos tempos iniciais da bossa nova, não raro, era atribuída a João Gilberto, amigo e parceiro, mas em outra peça, Minha Saudade.
Dois artistas rompedores, Donato e João Gilberto, nos anos 50, integravam a mesma turma de jovens músicos, que tinham o jazz como referência. Os dois eram, igualmente rejeitados na noite, pois não faziam uma música fácil de ouvir e dançar, como queriam nas casas noturnas.
À frente de seu tempo, João Donato fazia um piano mais batucado, forte ritmicamente, contrário ao piano dedilhado e meloso, mais ao gosto do público. Isso lhe rendia problemas e lhe reduziam os contratos. Com as oportunidades se fechando no Brasil, Donato foi para os Estados Unidos, a fim de fazer jazz.
Para sua frustração, o início dos anos 60 na América também não estava bom para os artistas. Mas ele descobre as orquestras de música latina. Eram esses grupos que estavam empregando os músicos de jazz naquele momento. Primeiro João Donato consegue trabalho com Cal Tjader e logo torna-se o pianista da big band do percusionista cubano Mongo Santamaría.
Se antes a música de João Donato já tinha uma grande mistura de influências, ganha, ainda, a do jazz afro-cubano. Além de Mongo Santamaría, Donato tocou com todos os grandes do gênero, como Tito Puente, Ralph Peña, Eddie Palmieri e Johnny Martinez. No álbum, Más Sabroso, de 1961, está uma parceria sua com Mongo Santamaría em ritmo de pachanga. A peça Entre Amigos.
Essa influência latina marcou para sempre o trabalho de João Donato. Ela pode ser percebida na afrobaiana Patumbalacundê, do álbum Lugar Comum, de 1975. E em suas baladas aboleradas, como Nunca Mais, do disco Managarroba, de 2002.
Contudo, toda a latinidade do jazz de João Donato está sintetizada no álbum instrumental Sambolero. O trabalho lhe rendeu o Grammy de melhor disco de jazz latino de 2010, com absoluta justiça. Nele, o piano suingado de Donato revisita seu repertório, com Luiz Alves, no baixo; e Robertinho Silva, na bateria.
Para celebrar seu aniversário, que será no próximo dia 17 deste mês, fica aqui João Donato com seu Sambolero. Longa vida ao grande mestre.

Flavio de Mattos, jornalista. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço:senado.leg.br/radio

domingo, 13 de julho de 2014

RIP Charlie Haden

O grande baixista Charlie Haden faleceu na sexta-feira, 11.07.2014. Um dos músicos mais importantes da história do jazz. Deixa um legado fantástico com suas obras. Uma de suas composições é, especialmente, representativa em sua carreira: First Song (for Ruth). É a primeira música que escreveu para sua mulher.



sábado, 12 de julho de 2014

Kind of Blue: O auge da tumultuada relação de Miles e Coltrane - No Blog do Noblat

Flávio de Mattos
Um soco no estomago marcou o fim do primeiro período do Quinteto de Miles Davis, com o saxofonista John Coltrane. Os dois tinham começado a trabalhar juntos havia pouco mais de um ano.
Davis tinha superado o vício em heroína, e a má fama que lhe trazia. Em plena forma, fez uma soberba apresentação no Festival de Jazz de Newport, em julho de 1955. A performance lhe valeu um contrato com a poderosa Columbia Records.
O trompetista convocou o pianista Red Garland, o baixista Paul Chambers e o baterista Philly Joe Jones, para seu grupo. Davis queria ainda um saxofonista, e Jones indicou John Coltrane. Estava formado o primeiro grande Quinteto de Miles Davis.
Com esse grupo, Miles gravou cinco discos, que ele devia, para selo Prestige, ao mesmo tempo em que preparava o primeiro álbum para o novo selo. Em outubro de 1956, saía o disco do Quinteto Miles Davis para a Columbia Records, ‘Round About Midnight.
Nessa época se deu o incidente da agressão. A banda fazia temporada no Café Bohemia, de Nova York. Coltrane vivia se atrasando para as apresentações e, ainda, chegava doidão, mal vestido, acabado. Às vezes, cochilava no canto do palco em pleno show. Miles Davis, o Chefe, como lhe chamavam os músicos, estava cheio.
Quando aquela noite Coltrane chegou, de novo, atrasado e alto, Miles Davis estourou. Gritando e xingando, foi para cima do músico. Chegou a acertar-lhe o soco no estômago, antes que o pianista Thelonious Monk, que estava no camarim, o contivesse. Coltrane continuava atônito, mal compreendia o que estava passando.
Demitido do Quinteto, John Coltrane se submeteu a um novo tratamento e conseguiu se livrar da heroína. Teve um ano de 1957 altamente produtivo. Fez uma temporada tocando com Thelonious Monk; assinou contrato com a Prestige; e passou a conduzir seu próprio Quarteto, que se tornaria outra referência na história do jazz.
Nesse meio tempo, Coltrane e Miles se acertaram e o saxofonista voltou à banda, em 1958, completamente renovado. Aprendeu muito com Monk, adquirindo completo domínio de seu saxofone.


É essa dupla, no auge da maturidade que vemos no vídeo, de 1959, tocando o temaSo What, faixa que abre o disco Kind of Blue, o álbum de maior êxito na história do jazz. Ele representa uma mudança na maneira de fazer música, resultado da reunião de dois gênios como Miles Davis e John Coltrane. Uma relação tumultuada, de amor e ódio, mas de estímulo mútuo que leva ao crescimento de ambos.

Flavio de Mattos, jornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço: senado.leg.br/radio