sábado, 20 de setembro de 2014

Louis Armstrong e a questão racial - Artigo no Blog do Noblat

Armstrong bota a boca no trombone contra a segregação racial

Flávio de Mattos
Louis Armstrong chegou a ser desclassificado por alguns militantes negros, por considerarem que ele não afrontava o racismo como deveria. Chamavam-no "Uncle Tom", pejorativo para o negro submisso. Por isso muitos se surpreenderam quando ele deixou seu trompete e botou a boca no trombone contra a discriminação de crianças negras no Arkansas.
Nascido em 1901, muito pobre, na velha Nova Orleans, sabia muito bem que devia driblar as agruras para poder sobreviver. Com sete anos, cantando nas ruas, conseguia as moedas que compravam a comida da família. Aos onze anos, Armstrong vai parar na Casa do Menor Abandonado Negro de Nova Orleans, onde tem suas primeiras lições de música.Quando sai do reformatório, com 14 anos, Louis Armstrong passa a tocar nas bandas dos barcos que viajam pelo rio Mississipi. Assim começa sua profissionalização como músico. De Nova Orleans para Chicago e de lá para Nova Iorque.
A carreira de Armstrong realmente decola a partir de sua participação no musical Hot Chocolates, no nightclub Connie's Inn, no Harlem de 1929. A casa competia com o famoso Cotton Club. Era, também, propriedade de mafiosos, com shows de negros, para a clientela de brancos endinheirados, que podiam pagar caro pela bebida ilegal, em tempos de Lei Seca.
A peça foi encomendada à dupla Fats Waller e Andy Razaf pelo gangster Dutch Schultz, de arma na mão. Ele queria que contassem a história de uma negra, abandonada por seu homem, que preferia uma branca. Razaf, o poeta negro, escreveu o texto, mas o deixou aberto a outras leituras.
É desse musical o primeiro grande sucesso de Louis Armstrong, a canção Ain't Misbehavin'. Nele está o mais emblemático dos temas: (What did I do to be so) Black and Blue. A letra (*), que seria o lamento da negra, falava mais da condição de miséria e pobreza, associadas à raça. Essa música se tornou uma marca de Armstrong, por toda a vida.
A canção estava no repertório do show que faria na noite de 17 de setembro de 1957, em Dakota do Norte. Mas a notícia naquele dia era que ano letivo havia começado e nove crianças negras estavam impedidas de frequentar a Central High School da cidade de Little Rock, no Arkansas. O Estado não aceitava o fim da segregação racial nas escolas públicas, mesmo depois de o próprio presidente Dwight Eisenhower ter se reunido com seu governador.
Entrevistado sobre o tema, Armstrong dessa vez não se conteve. Furioso, disse que Eisenhower não tinha “colhões” para fazer a lei se impor no Arkansas. Anunciou ainda a suspensão da turnê que faria pela União Soviética, como embaixador cultural dos Estados Unidos.
As palavras de Louis Armstrong repercutiram em todo o país. No dia 24 de setembro, o presidente Eisenhower enviou 1.200 soldados para garantirem o ingresso das nove crianças negras na escola de Little Rock.



 * (What did I do to be so) Black and Blue
(Fats Waller e Andy Razaf)
Cold empty bed...springs hurt my head
Feels like ole ned...wished I was dead
What did I do...to be so black and blue


Even the mouse...ran from my house
They laugh at you...and all that you do

What did I do...to be so black and blue


I'm white...inside...but, that dont help my case

Thats life...cant hide...what is in my face


How would it end...aint got a friend
My only sin...is in my skin

What did I do...to be so black and blue



Flávio de Mattosjornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereçosenado.leg.br/radio