quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O jazz se despede do ritmo preciso de Jimmy Cobb

O baterista Jimmy Cobb, era um dos poucos músicos que podiam contar, em primeira pessoa, as grandes histórias do jazz. Ele morreu no domingo (24/05),  aos 91 anos, de um câncer no pulmão. Cobb tocou com Charlie Parker, acompanhou Billie Holiday e fez parte do sexteto de Miles Davis no histórico álbum Kind of Blue. Em sua simplicidade, o músico dizia ter tido a sorte de estar no lugar certo, na hora certa.

 

Com uma infância difícil, Jimmy Cobb começou a trabalhar cedo, para ajudar a mãe, separada do marido. Engraxate, jornaleiro, mensageiro, o menino fazia de tudo para conseguir levar algum dinheiro para casa. Mas seu sonho era tocar a bateria, como ouvia nos discos de jazz, que escutava na casa de um amigo. Adolescente, comprou o instrumento com o primeiro dinheiro que conseguiu juntar.

 

“Eu descobri, que tocar a bateria era o que eu mais gostava de fazer”, contava Cobb. “Quando eu aprendi o suficiente para tocar bem, descobri que era aquilo que eu queria fazer pelo resto de minha vida”. Antes de completar 20 anos, Jimmy Cobb já era um profissional nos clubes de Washington, sua cidade natal.

 

Jimmy Cobb tornou-se um grande baterista de acompanhamento. Ele desenvolveu uma técnica elegante e discreta, deixando a bateria em um aparente segundo plano, porém com o ritmo constante, como um relógio. Por longo tempo foi o baterista de Dinah Washington, com quem foi casado, e Sarah Vaughan. Diferente dos bateristas de sua época, como Max Roach e Art Blakey, Jimmy Cobb não marcava o tempo forte no bumbo, e sim no prato, suavizando a sonoridade da bateria no conjunto. 

 

A seu ver, a experiência no acompanhamento de vocalistas, foi fundamental para a formação de seu estilo. “Trabalhando com cantores, você precisa ser sensível”, explicava ele. "Precisa ouvir e participar do que está acontecendo ali”. Essa sonoridade, feita com baquetas e vassouras nos pratos da bateria foi o que levou Miles Davis a convidá-lo para a gravação de Kind of Blue. É o som da bateria de So What, a primeira faixa do disco.

 

Jimmy Cobb contava que Miles Davis não costumava dar indicações detalhadas a seus músicos. Ele levava apenas alguns rascunhos e explicava o que iria tocar. “Miles confiava em todos nós, porque sabia que éramos bons músicos. Antes da gravação ele só me disse: ‘Jimmy, você sabe o que fazer, apenas faça a bateria soar, como se estivesse flutuando’”.

 

Um pouco do trabalho posterior de Jimmy Cobb podemos ouvir nas faixas Sweet And Lovely, do álbum Cobb's Groove (2003); My Romance, do álbum Cobb's Corner (2007) e We'll Be Together Again, do álbum Jazz in the Key of Blue, (2009).

 

No vídeo a seguir temos o quarteto de Jimmy Cobb com Brad Mehldau, ao piano; Peter Bernstein, na guitarra; e John Webber, no baixo, com a peça Stranger in Paradise, gravado no  Smoke Jazz Club, em Nova York, em 2014.


O jazz sem amarras do eclético George Duke

Estudante de música no Conservatório de São Francisco, na Califórnia, o jovem pianista George Duke sentia-se tolhido no mundo dos clássicos. Foi seu primo, o baixista Charlie Burrell que o convenceu a dedicar-se ao jazz. “Você não quer ser livre, poder tocar o que você sente? Vem para o jazz, você vai poder improvisar e fazer o que você quiser”. Burrell não precisou de muito mais argumentos para convencer Duke a buscar uma nova formação musical.

 

Nascido em San Rafael, na Califórnia, em 1936, George Duke começou a estudar o piano aos sete anos de idade, na igreja batista que a família frequentava. O funk e o jazz, no gospel da igreja, foram suas primeiras influências. Os estudos o levaram para o clássico, até formar-se no Conservatório, em 1967. Mas nessa época, ele já se dividia entre o clássico com o jazz, tocando com o grupo do cantor Al Jarreau.

 

A grande virada na vida de George Duke se deu quando ouviu no rádio o violinista francês Jean-Luc Ponty. Sabendo que o músico iria gravar na Califórnia por aqueles dias, Duke se ofereceu como pianista para essas sessões. A relação de muito certo e resultou no álbum Jean-Luc Ponty Experience with the George Duke Trio, de 1969.

 

George Duke e Jean-Luc Ponty fizeram grande sucesso nas apresentações em clubes de jazz em São Francisco. O som da banda fazia um contraponto, na Costa Oeste, às experiências do jazz fusion, que se desenvolvia na Costa Leste, capitaneadas por Miles Davis, The Mahavishnu Orchestra e o Weather Report. Os concertos chamaram a atenção de músicos como o saxofonista Cannonball Adderley e o guitarrista Frank Zappa, o líder do Mother of Invention. Zappa o convidou Duke para integrar o Mother of Invention. 

 

George Duke esteve com grupo de Zappa até Cannonball Adderley chamá-lo para sua banda, em 1971. O pianista passou a alternar seu trabalho entre o rock feroz de Zappa e o jazz mainstreamde Adderley. Duke conta que, com Zappa aprendeu a ter a mente aberta para todas as influências e gêneros musicais. Já a colaboração com Adderley o aproximou das raízes mais profundas do jazz.

 

Em sua carreira solo, com mais de 40 discos gravados, o grande êxito de George Duke foi o álbum A Brazilian Love Affair, de 1979. Parte das gravações foi feita no Rio de Janeiro, com músicos brasileiros e americanos. Não é um disco de música brasileira, mas sim marcado pela musicalidade brasileira nas composições de Duke, como na faixa Up From the Sea... O disco tem participações especiais de Milton Nascimento, Flora Purim e Airto Moreira. 

 

No vídeo a seguir, temos George Duke, em uma apresentação de 2011, com outro tema do álbum A Brazilian Love Affair, Cravo e Canela, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Aqui, sua performance no Java Jazz Festival, em Jacarta, em 2011. George Duke faleceu em agosto de 2013, de uma leucemia crônica. 


O baião jazz da sanfoneira grega Magda Giannikou

Uma nova geração de artistas de jazz vem descobrindo a música brasileira, para além da bossa nova. Muitos desses novos talentos têm surgido no Berklee College of Music, de Boston, a grande universidade americana do jazz. A reunião de estudantes do mundo inteiro proporciona um rico intercâmbio entre diferentes culturas musicais. Um exemplo disso é a Banda Magna, liderada pela multinstrumentista Magda Giannikou.


Nascida em Atenas, em 1981, Magdalini Giannikou é pianista, acordeonista, cantora, compositora, arranjadora, produtora e o que mais puder fazer no campo musical. Filha de uma professora de piano, ela começou a estudar música já desde muito pequena. Graduou-se em piano clássico e composição no Conservatório Nacional da Grécia e fez uma especialização em jazz no Instituto Nakas, em Atenas. 

O jazz era uma paixão que ela adquiriu com o pai. Apesar de não ser músico, ele tinha uma coleção fantástica de jazz e músicas de todo o mundo. Foi em casa que ela conheceu a música brasileira, e não só Tom Jobim e João Gilberto, os mais tocados no mundo inteiro. Seu pai ouvia ainda Ary Barroso, Dorival Caymmi e, surpreendentemente, Luiz Gonzaga.

 

Magda Giannikou já era um sucesso em seu país, escrevendo músicas para cinema, teatro e programas infantis de televisão, quando resolveu mudar-se para os Estados Unidos. Ela foi completar seus estudos em jazz e música para cinema, em Berklee. Nessa universidade de Boston, ela conviveu com músicos italianos, colombianos, argentinos, brasileiros, japoneses e de várias nacionalidades. 

 

Quando se formou, em 2010, Magda Giannikou fixou-se em Nova York e ali reuniu alguns de seus antigos amigos de Berklee e montou a Banda Magda. O som do grupo, traz uma mistura de jazz e clássico, temperado com as influências dos ritmos brasileiros, da cumbia, do tango, da chansonfrancesa, além das raízes gregas de Giannikou. 

 

Aliás, fundamental na sonoridade do grupo é o acordeom tocado por Magda. Dedicada sempre ao piano, ela descobriu o acordeom em uma de suas férias na Grécia. Em visita à antiga casa da família, ela ficou fascinada em ouvir as melodias gregas tradicionais entoadas pela avó, com aquele instrumento. Era como se ouvisse o acordeom pela primeira vez. A partir daí passou a dedicar-se a seu estudo e o incorporou ao som da banda. 

 

Magda Giannikou canta e compõe em seis idiomas, mistura linguagens musicais e idiomas. Compõe samba em francês, como o que dá título ao primeiro álbum da Banda Magda, Amour, t’es là?, de 2013. Canta em italiano, a composição de Vinícius, Toquinho e Sergio Bardoti Senza Paura, e em português, interpreta Doralice, peças que estão no álbum Yerakina, de 2014. No álbum Tigre, de 2017, a grande surpresa é sua recriação para o baião Vem Morena, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

 

No vídeo a seguir temos a Banda Magda em uma versão ao vivo de outro tema de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, Sabiá.


sábado, 9 de maio de 2020

Ginger Baker, o baterista que levou o jazz para o rock


O baterista Ginger Baker, falecido aos 80 anos, em seis de outubro de 2019, foi um dos responsáveis pela definição do estilo da bateria no rock moderno. Sua performance no power trio Cream, formado em 1966, com o baixista Jack Bruce e o guitarrista Eric Clapton, influenciou todas as gerações de bateristas que vieram depois. Baker, no entanto, dizia que nunca tocou rock and roll, ele era um baterista de jazz. E do jazz vinha sua maneira especial de tocar, que transformou o mundo do rock.

Peter Edward Baker começou a tocar bateria aos 15 anos de idade, em Lewisham, Sul de Londres, onde nasceu. Lá ele ganhou o apelido de Ginger, por causa de sua cabeleira ruiva e revolta. Ginger Baker fez carreira na noite londrina tocando em grupos de jazz e absorvendo as influências bebop americano. Ele incorporou a seu estilo as batidas desenvolvidas pelos mestres do jazz como Art Blakey, Max Roach, Elvin Jones e Philly Joe Jones. 

Com a advento da onda do blues na Inglaterra, no início dos anos 60, Baker foi convidado para tocar com a banda Blues Incorporated, onde conheceu o baixista Jack Bruce, em 1960. De seu temperamento complicado, Baker estabeleceu uma relação tumultuada com Bruce, logo de início. Apesar disso, anos depois, em 1966, eles organizaram a banda Cream, junto com Eric Clapton. 

O Cream desenvolveu uma  revolucionária fusão entre o blues, o jazz e o rock, marcada pela batida jazzística da bateria de Ginger Baker. Ele ainda inovou no formato do instrumento, montando o conjunto com dois bumbos, que imprimia um grave mais profundo ao seu som. A banda gravou quatro álbuns, vendeu mais de 15 milhões de discos, em seus apenas dois anos de carreira. Com o Cream, Baker gravou o seu primeiro longo solo de bateria em Toad, faixa do álbum de estreia do grupo Fresh Cream, de 1967. 

De sua época no Cream, Ginger Baker costumava dizer que ele não tocava, e nunca tinha tocado, rock and roll. “O Cream eram dois músicos de jazz e um guitarrista de blues, tocando música improvisada. A gente nunca tocava a mesma coisa, duas noites seguidas. Aquilo era jazz”. argumentava Baker. 

Mas Ginger Baker pôde dedicar-se completamente ao jazz nos anos noventa, quando foi morar nos Estados Unidos. Em 1994 ele formou o Ginger Baker Trio, com Charlie Haden no baixo e Bill Frisell, na guitarra. O trio gravou dois álbuns, especialmente marcantes na discografia do jazz. O primeiro, Going Back Home, de 1994, em que se destacam os temas Ramblin Ginger Blues. O segundo, Falling of The Roof, de 1996, que tem a faixa título baseada em um tema que Ginger Baker escreveu depois de cair do telhado, que estava consertando, em sua fazenda no Colorado.

No vídeo a seguir, temos o Ginger Baker Trio, em uma apresentação no Festival de Jazz de Frankfurt, na Alemanha, em 1995. O tema é In the Moment, em que Ginger Baker desenvolve um inspirado solo de sua bateria personalíssima. Descanse em Paz, Ginger Baker.

Morre Lyle Mays, o genial pianista do Pat Metheny Group



O pianista Lyle Mays, que morreu no último dia 10 de fevereiro, aos 66 anos, era grande parceiro do guitarrista Pat Metheny. Mays era o nome oculto no Pat Metheny Group, dividindo com o guitarrista todas as composições do grupo e respondendo pela maior parte de seus arranjos musicais. Pilotando o piano, os teclados e os sintetizadores, Lyle Mays levou para a banda a sonoridade da vanguarda contemporânea, que era a marca registrada do grupo.

Formado em 1977, o Pat Metheny Group incorporou ao seu estilo de jazz elementos do rock e de outras músicas do mundo, como o samba brasileiro. O grupo ganhou 11 prêmios Grammy em seus 33 anos de atividade. O último trabalho de Lyle Mays com Pat Matheny foi a gravação do álbum The Way Up, editado em 2005.

“Lyle foi um dos maiores músicos que eu pude conhecer” escreveu Pat Metheny em suas redes sociais, despedindo-se do amigo. “Durante mais de trinta anos, cada momento que dividimos, fazendo música, foi especial. Desde as primeiras notas que tocamos juntos, encaixamos, imediatamente. Sua enorme inteligência e imensa sabedoria musical mostravam quem ele era em cada momento. Eu vou sentir muita falta dele, com todo meu coração”.

Além da longa parceria com Pat Metheny, Lyle Mays desenvolveu uma carreira solo, que lhe rendeu quatro indicações para os Grammy. Ele ainda compôs, produziu e tocou com outros importantes músicos e grupos como Earth, Wind & Fire; Bobby McFerrin, Rickie Lee Jones, Joni Mitchell, entre outros.

Lyle Mays havia deixado a música, como profissão, em 2011. Ele dizia que a música - na verdade, a indústria musical - o havia deixado, pois ninguém mais queria pagar para ouvir música. Nos últimos tempos, Mays dedicava-se a desenvolver softwares e fornecer consultoria de informática, atividade alternativa que havia adotado ao longo do tempo.

Uma síntese do trabalho solo de Lyle Mays é o álbum Street Dreams, de 1988, com as peças: ChorinhoPossible Straight e a experimental Street Dreams 2. No vídeo a seguir temos Lyle Mays e seu grupo, em uma de suas últimas apresentações, no evento TEDxCaltech, no Instituto de Tecnologia da California, em janeiro de 2011. Aqui ele explora os algoritmos e usa os computadores para desenhar os improvisos sobre o tema Before You Go!, composição de Lyle Mays, que tem o samba como inspiração.


terça-feira, 21 de abril de 2020

O Adeus ao Jazz Brasileiro de Claudio Roditi

Na madrugada de sábado, 17 de janeiro, morria nos Estados Unidos o trompetista Claudio Roditi, um dos maiores músicos brasileiros do jazz. Aos 73 anos, Roditi deixa uma obra composta por mais de 30 álbuns, iniciada em 1984, com o disco Red on Red. Em seu trompete, jazz e samba se misturavam harmonicamente, em continuidade à melhor tradição criada pelos músicos que criaram o novo gênero, no Beco das Garrafas, em inícios dos anos 60.

Nascido no Rio de Janeiro e criado em Varginha, interior de Minas, Claudio Roditi estudou música desde pequeno. Começou com aulas de piano clássico, até que aos 12 anos descobriu o jazz, escutando os discos de Louis Armstrong, Charlie Parker, Miles Davis, Dizzy Gillespie e Kenny Dohan, do acervo de um tio seu.  Aos 18 anos voltou para Rio. Chegou lá em plena efervescência do samba jazz. Roditi costumava lembrar das jams sessionscom os trios de Dom Salvador, com o Sambalanço, o Tamba, entre outros.

No início dos anos 70, Claudio Roditi mudou-se para os Estados Unidos. Foi estudar no famoso Berklee College of Music, em Boston, a mais prestigiosa universidade do jazz. Lá estavam também os brasileiros Victor Assis Brasil, Zeca Assumpção e Roberto Sion. Tocando nos bares da cidade, ele conheceu os grandes Dizzy Gillespie e Paquito D’Rivera. Os músicos o incentivaram a estabelecer-se em Nova York, ao fim do curso e encarar uma carreira profissional por lá.

Roditi tornou-se um dos principais solistas da United Nations Orchestra, de Dizzy Gillespie e, depois, integrou a banda de Latin Jazz liderada pelo saxofonista Paquito D’Rivera. A partir daí, sua carreira deslanchou e Claudio Roditi passou a ser reconhecido como um dos melhores trompetistas do jazz contemporâneo. Dono de uma linguagem própria, no trompete e no flughellhorn, ele surpreendia o mundo com sua maneira de transmutar em samba os clássicos do jazz, como a peça In a sentimental mood, de Duke Ellington.

Da discografia mais recente de Claudio Roditi, toda editada nos Estados Unidos, destacam-se os álbuns Brazilianse x 4(2009), que foi indicado ao Grammy naquele ano; Simpático(2010), o mais autoral, com todas a composições de sua autoria;  e Bons Amigos (2011), seu último disco de carreira. Todos publicados pelo selo Resonance Records, de Los Angeles.

O único disco de Claudio Roditi lançado no Brasil foi Impressions, editado em 2006 pelo selo Biscoito Fino. O álbum está dedicado especialmente à interpretação de composições do saxofonista John Coltrane, como NaimaGiant Steps e a própria Impressions

Nesse disco está ainda o tema O Monstro e a Flor, uma feliz parceria de Roditi com o guitarrista Ricardo Silveira, outro músico brasileiro formado em Berklee. A música é uma lição do que há de melhor do samba jazz. Ela está no vídeo a seguir, gravado no Shanghai Jazz, de New Jersey, com Claudio Roditi e seu Quarteto. Descanse em Paz, Roditi. Sua música estará sempre com a gente.





terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Cedar Walton, o compositor de standards do Jazz Messengers



O pianista Cedar Walton (1934 – 2013) ficou conhecido no mundo do jazz como um dos integrantes da primeira formação da importante Jazz Messengers, a banda dirigida pelo baterista Art Blekey. Walton foi o autor de composições e arranjos que marcaram a carreira do Jazz Messengers, no momento mais brilhante da banda, que tinha ainda Freddie Hubard, no trompete e Wayne Shorter, no saxofone.

“Eu me sinto extremamente afortunado de ter vivido essa época do Jazz Messengers”, costumava contar Cedar Walton. “Estávamos ali, tocando e tínhamos na plateia Thelonious Monk, Art Blakey, Dizzy Gillespie e Erroll Garner. Até Miles Davis aparecia, de vez em quando para ouvir os Messengers. Músicos que eu ouvia nos discos.”

Nascido em Dallas, no Texas, Cedar Walton é filho da pianista clássica Ruth Walton, que foi sua primeira professora de música. Mas foi com ela, também, que o garoto teve seus contatos iniciais com o jazz. A mãe o levava aos concertos dos músicos que passavam pela Dallas natal. Ele pôde ver e ouvir Nat King Cole, Bud Powell, Thelonious Monk e Art Tatum, que Walton cita como suas maiores influências no piano.

Cedar Walton estudou composição e arranjo na Universidade de Denver, no Colorado. A princípio, sua ideia era estabelecer-se como professor de música no sistema público local. Mas o jazz o desviou desse destina, ao proporcionar-lhe tocar com John Coltrane, Charlie Parker e Richie Powell, em jam sessions, depois das apresentações desses músicos nos clubes de jazz, em Denver. 

O músico decidiu que teria de ira para Nova York, pois era lá que o jazz estava acontecendo. Cedar Walton deixou a universidade e mudou-se para a capital cultural dos Estados Unidos. Entre 1958 e 1961, ele tocou com Kenny Dorham, J.J. Johnson, com Art Farmer's Jazztet, entre outros, até entrar para o Art Blakey’s Jazz Messengers. 

Walton se havia especializado em tocar standards do jazz, nos grupos que em passou. Foi o pianista Thelonious Monk quem o incentivou a compor e apresentar suas peças. Falando entre os dentes, Monk lhe disse: “Deixa essa coisa de tocar standards, e toque as suas próprias ‘porcarias’” lembrava Walton. Essa conversa o levou a propor aos companheiros do Messengers a gravação de sua composição Mosaic, que se tornou um standarddo jazz.

Cedar Walton emplacou várias outras composições suas, junto com o Jazz Messengers, que passaram a fazer parte do repertório do jazz. Entre elas, UgetsuFirm Roots e Cedar’s Blues. No vídeo a seguir temos o trio de Cedar Walton, com Pierre Michelot, no baixo e Billy Higgins, na bateria, na composição mais conhecida de Walton Bolívia

A peça foi gravada pela primeira vez em 1975, pelo  grupo de Walton àquela época, o Eastern RebellionEla vale ser lembrada neste momento em que aquele país vive outra rebelião, depois do golpe que derrubou o governo de Evo Morales.

O jazz colorido da pianista japonesa Hiromi



O novo álbum da pianista Hiromi Uehara Spectrum (Telarc) celebra sua maturidade pessoal e musical. Hiromi criou uma tradição para si, gravando um disco de piano solo a cada final de década de sua idade. Gravou o primeiro aos 29, este aos 39 e pretende gravar o próximo quando cumprir os 49. “O som de um pianista se modifica com a idade e com a experiência de vida”, explica Hiromi. “Eu criei esses marcos para poder ver, desde fora, o quanto mudei e cresci, nesses anos”.

Nascida em Hamamatsu, no Japão, Hiromi começou a estudar piano clássico aos seis anos de idade. Sua primeira professora, Noriko Hikida, foi, também, quem a apresentou ao jazz. Com um método próprio e original, Hikida orientava sua aluna associando os sons a cores, estabelecendo uma relação de mais fácil compreensão para a criança.

“Quando ela queria que eu tocasse com um certo tipo de dinâmica, ela não explicava isso em termos técnicos”, conta a pianista. “Se era uma peça cheia de paixão, ela dizia: ‘Toque em vermelho’. Já se era alguma coisa suave, ela dizia: ‘Toque em azul’. Dessa maneira, eu podia, realmente, tocar com o meu coração, não só com o ouvido”, conta Hiromi.

Os ensinamentos da primeira professora acompanham a pianista por toda sua vida. Em 1999, com 20 anos, Hiromi mudou-se para os Estados Unidos, para estudar no Berklee College of Music, em Boston. A universidade lhe proporcionou ampliar ainda mais seu horizonte musical. Lá ela teve contato estreito e simultâneo com pessoas que se dedicavam ao jazz, ao clássico e até ao rock. E Hiromi levou todas essas influências para sua música, que vai do jazz fusion ao rock progressivo, passando pelo clássico.

Desde seu primeiro álbum Another Mind(2003), Hiromi vem conquistando um público cada vez mais amplo, com sua abordagem original do jazz. True and Lies é dos temas de seu disco de estreia. Nesse disco ela iniciou a colaboração com o baixista Anthony Jackson, com quem mais tarde formou The Trio Project, junto com o baterista Simon Phillips. Eles estão no álbum Alive, de 2014.

Do novo álbum solo de Hiromi, destacamos os temas Once in a Blue Moon e sua homenagem a Gershwin com a medley Rhapsody in Various Shades of Blue. Outra peça muito especial do disco é Mr.C.C. que, em clima de trilha sonora de cinema mudo, ela dedica a Charlie Chaplin. Tudo muito colorido, como a própria capa do álbum.

“Para um pianista, fazer um álbum solo é como você estar nu diante da plateia”, reflexiona Hiromi. “Não há onde se esconder, não tem outro instrumento para lhe dar apoio, é realmente muito desafiador. Mas ao mesmo tempo” – diz ela – “essa é a melhor maneira de você aproveitar totalmente todas as possibilidades de seu instrumento”.

No vídeo a seguir podemos desfrutar de Hiromi Uehara - ou simplesmente Hiromi, como ela se apresenta - enfrentando, sozinha, esse desafio, diante de seu piano, tocando a faixa título do novo álbum, Spectrum.


domingo, 19 de janeiro de 2020

Andrea Motis, a trompetista catalã do jazz brasileiro



A trompetista, saxofonista e cantora catalã Andrea Motis, 24 anos, é a mais nova revelação no jazz. Apesar da pouca idade, ela é uma veterana nos palcos de sua Barcelona natal. Começou a estudar o trompete com sete anos de idade. Aos 15, já estava gravando e participando de concertos, junto com seu mentor, o baixista Joan Chamorro e a Sant Andreu Jazz Band, com os alunos da Escola de Música de Sant Andreu, um bairro afastado de Barcelona.

Andrea Motis conta, divertida, sua primeira experiência como star, que se deu por aquela época. Ela era uma das atrações do importante Festival de Jazz de Barcelona. Seu concerto estava programado para a boate Luz de Gaz, uma tradicional casa noturna da cidade, só que proibida para menores de 18 anos. Ela, então com 15, não ia poder tocar em uma boate, pois nem poderia entrar. A apresentação teve de ser transferida para o Teatro Coliseu, onde menores eram aceitos, acompanhados pelos pais.

O envolvimento precoce com a música, fez com que estudo e profissão se desenvolvessem naturalmente na vida de Andrea Motis. Enquanto cursava o curso profissionalizante de música, ela seguia gravando e se apresentando com Joan Chamorro. Participar sempre de jams sessions e oficinas musicais com os importantes músicos de jazz, que passavam por Barcelona, como o maestro Quincy Jones, o cellista Yo-Yo Ma; o saxofonista Scott Hamilton; e o trombonista Wycliffe Gordon, entre outros.

Como cantora, a voz suave de Andrea Motis remete à jovem americana Norah Jones. Como instrumentista, sua referência é Chet Baker, o trompetista de solos melodiosos e o cantor de voz aveludada. E a música brasileira é uma paixão, sempre presente nos discos e shows de Andrea. Seus conhecimentos e repertório vão além dos clássicos de Tom Jobim, conhecidos em todo o mundo, como Chega de Saudade, que ela gravou no álbum Emocional Dance (Impulse! 2017)

Emocional Dance foi o primeiro álbum de Andrea Motis para o selo americano Impulse!, uma referência no mundo do jazz. Na Impulse! gravava simplesmente o grande John Coltrane. Acompanhada dos veteranos Ignasi Terraza, no piano; Joan Chamorro, no baixo; Josep Traver, na guitarra; e Esteve Pi, na bateria, ela explora um repertório variado, com composições próprias e clássicos do jazz como You'd Be So Nice To Come Home To, de Cole Porter.

O segundo álbum de Andrea Motis para a gravadora americana foi lançado neste ano, pelo selo Verve. Com título é em português, Do outro lado do Azul, é seu trabalho mais ousado e mais brasileiro. Ela abre com o clássico, Antonico, que tem um belo vídeo clip rodado nas ruas de Barcelona. Mas vai muito além, com axé, como em Filho de Oxum; com sambas autênticos, como Saudades da Guanabara; e chega na vanguarda paulista de Luiz Tatit, com Baião de Quatro Toques. Uma artista que já chega pronta ao mercado internacional.

No vídeo a seguir temos Andrea Motis, com seu Quinteto, interpretando Dança da Solidão, de Paulinho da Viola. É um peça que também está em seu álbum Do outro lado do Azul.