segunda-feira, 29 de abril de 2019

Carlos Lyra, Além da Bossa e da Influência do Jazz


O compositor Carlos Lyra, 85 anos, autor de músicas que marcaram o início da bossa nova, como Minha Namorada, Coisa mais linda, Lobo Bobo e a marcante Influência do Jazz, está lançando um novo álbum, Além da Bossa. É seu primeiro trabalho autoral em 25 anos. O repertório reúne composições novas e antigas, que ele nunca havia gravado, como as canções Até o Fim Na Batucada. É uma produção primorosa, que destaca a qualidade e a sofisticação da obra de Carlos Lyra. 
O disco tem participações muitos especiais de seus amigos Marcos Valle, João Donato, Dori Caymmi e Jacques Morelenbaum, entre outros. Além da Bossa traz ainda bolero, tango, samba canção, gêneros que Carlos Lyra considera igualmente relacionados com a bossa nova. Ele conversou comigo sobre jazz, sobre bossa nova e especialmente, sobre Influência do Jazz, sua composição de “protesto”, que se transformou, exatamente, em um ícone do jazz.
FM: Os historiadores da música brasileira destacam que a bossa nova surgiu influenciada pela música americana, o jazz, especialmente...
CL: Não é verdade. A Bossa Nova nasceu de muitas influências reunidas e um determinado tipo de jazz, o West Coast, foi uma das influências. As outras, os impressionistas Ravel, Debussy, Stravinsky; o bolero mexicano, a música francesa e também os standards americanos de Gershwin, Cole Porter, Jerome Kern, Rodgers and Hart. 
A Bossa Nova tem todas essas influências e trabalha com todos os ritmos, do samba ao tango. Ela é uma estética. Uma maneira de compor com melodias elaboradas mas simples, harmonias sofisticadas mas encadeadas, sem “aranhas” e aquele ir e vir pelo braço do violão, e letras coloquiais e pra cima. Sem fossa!
Você era fã de jazz? Quem você escutava? Que músicos lhe inspiravam? 
Eu e Menescal nos reuníamos para ouvir os acordes do Barney Kessel, que eram diferentes. Sempre gostei, apenas, do jazz West Coast. Chet Baker, Stan Kenton, Shorty Rogers, Dave Brubeck Quartet and Gerry Mulligan, eram meus favoritos e sempre me inspiraram.
Sua composiçãoInfluência do Jazz tornou-se um standard do samba jazz. Quando você a compôs, havia a real intenção de criticar essa influência?
Fiz a composição exatamente para criticar o excesso de improviso de jazz que tomou conta da música brasileira na década de 60. E exatamente aquele improviso vazio e tão comum, onde o músico passeia pelas escalas sem qualquer melodia bonita, mostrando apenas técnica mas nenhuma inspiração melódica. É aquela velha história que ouvi em NY. Depois de um solo desses, viraram para o músico e pediram: Please, tell me a story!
Tom Jobim, rindo, após ouvir um músico fazer todo esse malabarismo com a minha música, me disse: “O que você fez foi propaganda subliminar!”
Se você ouvir minha primeira gravação de Influência do Jazz, verá que gravei com ritmo de samba e não de jazz.
Você tem contabilizada quantas gravações existem de Influência do Jazz? Qual a versão que mais lhe agrada? 
Não faço a menor ideia de quantas são. Essa música foi muito gravada por instrumentistas de todo mundo e é muito difícil acompanhar. Pra mim a gravação da Leny Andrade é definitiva. 
Como você vê hoje o êxito de Influência do Jazz, como um tema de jazz, ainda que debrazilian jazz? 
Deturparam minha ideia da crítica e propagaram a música no estilo jazzístico e isso a fez ganhar o mundo. É uma daquelas coisas que você faz com uma intenção e ela faz sucesso por outro viés. Mas música é igual a filho. Você cria pensando que vai ser uma coisa e depois elas tomam um rumo inesperado que pode levar ou não ao sucesso. Nesse caso, ela fez sucesso e fico feliz.
Você considera que a influência do jazz na música brasileira, ao final, possa ter sido positiva, com o advento de uma música instrumental brasileira de qualidade?
Acho que elementos do jazz, principalmente as harmonias, foram muito positivas para sofisticar o violão brasileiro e, posteriormente, a música em todos os seus elementos e instrumentos, mas acho que é um bom tempero e, como todo tempero, não deve se sobressair para não tirar o sabor do protagonista que, nesse caso, é a música brasileira.
- No vídeo a seguir temos Carlos Lyra e uma superbanda apresentando uma versão instrumental de Influência do Jazz, em uma versão já mais jazzística.


terça-feira, 2 de abril de 2019

A carreira marcante e curta de Lee Morgan


O pequeno Slug’s Saloon, no East Village de Nova York estava lotado naquele sábado gelado de 19 de fevereiro de 1972. A atração da noite era o trompetista Lee Morgan, a grande sensação do jazz, naquele momento. No intervalo do show, sua mulher Helen Morgan chega para assisti-lo tocar. Encontra Lee Morgan, na mesa dos músicos, com outra mulher. Os dois discutem, ela saca um revolver da bolsa e lhe dá um tiro no peito.

Lee Morgan havia começado sua carreira profissional aos 15 de idade. Nascido na Filadélfia, em 1938, ele foi aluno de Clifford Brown. Participou de workshops com Miles Davis e Dizzy Gillespie, que se tornaram outras de suas influências. Em 1956, com 18 anos, Morgan passou a integrar a Big Band de Dizzy Gillespie e, também, gravou seu primeiro disco solo para o selo Blue Note, Indeed.

Nesse mesmo ano de 1958, Lee Morgan ingressou no grupo de Art Blakey Jazz Messengers. Ali ele desenvolveu seu talento de solista e de compositor. No álbum Monin’ (1958), um dos grandes sucessos do grupo, o trompete de Lee Morgan se destaca no solo da balada Along Came Betty. Foi também por essa época que Lee Morgan se iniciou na heroína.

O vício virou um problema na vida do trompetista. Acostumado à elegância, Lee Morgan passou a andar desleixado, gastava todo seu dinheiro em drogas. Começou a faltar aos ensaios e shows. Foi expulso do Jazz Messengers, em 1961. Ninguém mais queria contratá-lo, porque não havia garantia de que Morgan apareceria para tocar.

Estava no fundo do poço quando conheceu Helen. Ela era amiga de muitos músicos e sempre os recebia para jantar, em sua casa. Lee Morgan apareceu por lá em um dia de inverno. Estava sem casaco e sem o trompete. Ele os havia empenhado, para comprar drogas. 

Helen, bem mais velha, ficou com pena daquele quase menino e resolveu cuidar dele. Abrigou Lee em sua casa, ajudou-o a tratar-se e a recuperar-se fisicamente. Morgan levou dois anos longe dos palcos e dos estúdios, até conseguir ser firmar novamente. Casaram-se e Helen passou a cuidar de sua agenda, garantir sua presença nos shows. Recuperado, em 1963 Lee Morgan gravou o primeiro disco da nova fase, The Sidewinder, referência em sua carreira.

De volta à primeira linha do jazz, Morgan era uma estrela naquele ano de 1972. Sua relação com Helen, contudo, já não era tão boa. Ela desconfiava que ele teria outra, mas encontrar os dois no Slug’s, ela não esperava. O tiro não teria sido fatal se Morgan fosse socorrido rápido. Por causa da neve, a ambulância levou mais de uma hora para chegar e o músico não resistiu. Lee Morgan tinha apenas 33 anos.

No vídeo a seguir, podemos ouvir Lee Morgan no grupo Jazz Messenger, com Art Blakey, na bateria, no tema I Remember Clifford. A composição é de Benny Golson, que está no sax tenor, em homenagem ao seu amigo Clifford Brown.