sexta-feira, 28 de abril de 2017

Enrico Cava, o trompetista italiano liberto do free jazz

Enrico Cava (Foto: Divulgação)Enrico Cava (Foto: Divulgação)
A vida do jovem músico italiano Enrico Rava deu uma virada naquele dia de agosto, de 1956, em que Miles Davis se apresentou em Turim. Com 17 anos, Rava era o trombonista da Torino Dixieland Band, grupo amador que tocava o repertório do Hot Five de Louis Armstrong.

“A música era incrível e Miles tinha uma presença fantástica no palco. Se movia como um grande ator, como Marlon Brando em Sindicato dos Ladrões. Era tudo um grande espetáculo. Eu vi que aquilo era o que eu queria fazer e, no dia seguinte, comprei um trompete”, relembra Enrico Rava.

Turim tinha uma vida musical muito movimentada e por lá passavam todos os grandes nomes do jazz internacional. Pela mesma época, Enrico Rava pôde escutar, outro trompetista que viria marcar profundamente seu estilo, Chet Baker. Inspirado em Miles e Baker, Rava começou sua carreira no novo instrumento.

O impulso definitivo para a profissionalização veio do saxofonista argentino Gato Barbieiri. Em 1962 eles foram apresentados por um amigo baixista que iria excursionar pela Itália com Barbieri. “Ainda me lembro daquela noite. Eu nunca o tinha visto tocar, mas logo na primeira nota ficou claro que ele era de outro planeta”, relata Rava, entusiasmado

O trompetista conta que Gato Barbieri o contratou para sua banda e o levou para Roma, onde a excursão começaria. “Tocamos juntos todas as noites, durante meses. Nos fizemos grandes amigos”, diz Rava. “A sua confiança em meu trabalho foi incrivelmente importante para mim. Tocar com Gato foi a minha pós graduação no jazz”.

Foi ainda na Itália que Enrico Rava conheceu Don Cherry, Mal Waldron e Steve Lacy, expoentes do free jazz. Eles formaram um quarteto que, curiosamente, alcançou grande êxito na cena jazz de Londres e de Buenos Aires. O grupo chegou a gravar um disco na Argentina, em 1966, The Forest and the Zoo, que se tornou um ícone para os cultores desse estilo de jazz.

Enrico Rava mudou-se para Nova York em 1967 e integrou-se ao grupo de músicos do jazz de vanguarda. Cecil Taylor, Charlie Haden, Marvin Peterson e, especialmente, o trombonista Roswell Rudd, foram seus companheiros mais constantes nos palcos da cidade.

Desde a época de sua banda de dixieland, a combinação de sons do trompete com o trombone sempre fascinou Rava. “Eu gosto do tom e do registro do trombone, que é o mesmo registro da voz masculina”, explica o músico. “O trompete e o trombone são exatamente o mesmo instrumento, sendo que o trompete é um pouco mais alto. Por isso, eles soam tão bem juntos”, argumenta ele.

O free jazz, no entanto, acabou tornando-se uma camisa de força para Enrico Rava. As experimentações e os malabarismos sonoros obrigatórios, a seu ver, limitavam sua liberdade de tocar o que quisesse, incluindo belos acordes concatenados. Ele gosta de contar uma história para exemplifica sua posição.

Rava participava do Free Jazz Meeting, que acontecia em Baden-Baden, na Alemanha, dirigido pelo jornalista Joachim Berendt. Em uma das apresentações, o baixista Eberhard Weber estava tocando e, de repente, começou a introduzir alguns acordes em meio ao tema principal, supostamente, livre. Berendt interrompeu o concerto e deu uma bronca no baixista: “Pare, imediatamente. Lembre-se, isso é um encontro de free jazz, você não pode tocar acordes aqui” disse-lhe o diretor do evento.

“Por isso voltei a tocar com ritmo e acordes, eu me sentia muito mais livre fazendo o que queria e o que gostava. Aquela música era toda muito conceitual e já não me agradava estar preso ali”, esclarece Rava. Para ele, a verdadeira liberdade é poder escolher o que tocar, de acordo com o clima do momento.

E foi esse sentimento que o pautou em sua carreira. Depois que voltou a morar na Itália, lá por finais dos anos 80, Rava se tornou o músico mais importante do jazz italiano. Hoje, com 78 anos, ele tem mais de cem álbuns gravados, sendo trinta como líder. Em suas formações, Enrico Rava tem revelado jovens músicos que fazem do jazz sua linguagem. É o caso do pianista Stefano Bollani, que começou em seu grupo e é hoje uma estrela do jazz internacional.

Celebrando sua amizade, Rava e Bollani gravaram em duo o álbum The Third Man (2011), para o selo alemão ECM. O disco abre com a peça Estate, sucesso da canção italiana que já havia ganhado soberba interpretação de João Gilberto. Nele se destaca ainda, a leitura da dupla para Retrato em Branco e Preto, de Tom Jobim e Chico Buarque.

Outro jovem músico revelado por Enrico Rava é o trombonista Gianluca Petrella. Com ele Rava tem exercitado suas ideias de combinação das sonoridades do trombone com o trompete. No vídeo a seguir podemos conferir esse resultado na apresentação de seu New Quartet com Gianluca Petrella no Festival de Jazz de Macerata, na Itália, em março de 2016.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Roberto Fonseca com o novo jazz de Cuba


Abuc, a Cuba ao contrário dá título ao mais novo cd do jovem maestro e pianista cubano Roberto Fonseca. O cara é uma força da natureza. Com fantástica animação, ele incendiou o Festival de Jazz de Marciac, na França, em agosto desse 2016. Sintam a vibração


sábado, 15 de abril de 2017

O Cool Jazz do branco Gerry Mulligan


Gerry Mulligan, 1976 (Foto: Franca R. Mulligan)


Gerry Mulligan, 1976 (Foto: Franca R. Mulligan)
Para o pequeno Gerald, o filho caçula dos brancos Mulligan, o melhor passeio era ir visitar a casa da babá negra Lilly Rose. Ela sentava ao piano e tocava umas músicas que o mantinham fascinado. Nos fins de semana, os amigos dela apareciam por lá e havia música todo o tempo. Era o lugar mais alegre de Marion, a cidadezinha do Ohio, onde viviam, no final da década de 1930.

Quando cresceu mais, Gerry, como ficou conhecido, descobriu que aquela música era o jazz. Os amigos de Lilly Rose eram profissionais, como Fats Waller, que se hospedavam em sua casa, porque os hotéis de lá não aceitavam reservas dos músicos negros que iam tocar na cidade. A comunidade negra do lugar a garantia estadia deles em casas de famílias locais.

Foi com Lilly Rose que Gerry Mulligan aprendeu as primeiras lições de piano, aos sete anos de idade. Depois foi estudar no conservatório e seguiu com o piano até os quatorze anos. Foi quando a família se mudou para a Filadélfia, que ele decidiu se dedicar ao clarinete. Seu professor o levou a interessar-se por arranjos no jazz. Com as novas lições, Gerry organizou uma big banda em seu colégio e passou a fazer os arranjos para o grupo.

Ao mesmo tempo, o jovem Mulligan foi tocar saxofone em um conjunto que animava os bailes da cidade nos fins de semana. Com 16 anos, ele foi oferecer seus serviços de arranjador para a pequena orquestra da rádio local. O maestro ficou impressionado com a ousadia do rapaz e lhe encomendou algumas orquestrações.

Pouco depois, conseguiu seu primeiro emprego como arranjador na orquestra de Tommy Tucker. Ele começou recebendo US$ 100,00 por semana, para escrever dois ou três arranjos novo para cada apresentação nos fins de semana. Com esse salário, Gerry Mulligan largou a escola e foi viver de música.

Gerry Mulligan mudou-se para Nova York em 1946, com 19 anos. Lá foi dividir apartamento com Gil Evans, seu colega de classe nas aulas de orquestração. Ali, passou a conviver com John Lewis, Charles Mingus, Lee Konitz, Thelonious Monk, Miles Davis e toda a nata do jazz em NYC.

Nessa primeira época em Nova York, Gerry Mulligan escrevia arranjos para a banda de Gene Krupa e logo para a orquestra de Claude Thornhill. Esses arranjos chamaram a atenção do trompetista Miles Davis, interessado em experimentar uma nova formação para seu grupo. Ele convidou Mulligan para integrar o noneto que estava montando, com uma sessão de metais ampliada por um trombone, uma tuba, uma trompa e o sax barítono, o novo instrumento de Mulligan.

Desse trabalho nasceu o álbum Birth of the Cool, considerado um dos mais importantes da história do jazz, incluído no Hall da Fama do Grammy, em 1982. Gerry Mulligan escreveu os arranjos para as faixas Deception, Godchild e Darn That Dream, além de participar com três de suas composições Rocker, Venus de Milo e Jeru. O título desta última, Jeru, era o apelido que Miles Davis lhe havia dado, e era como todos lhe chamavam na banda.

Depois das gravações que formaram o Birth of the Cool, Gerry Mulligam foi morar em Los Angeles, na Califórnia, como arranjador da orquestra de Stan Kenton. Nas noites livres, Mulligan costumava tocar no pequeno clube The Haig, que às segundas feiras promovia animadas jam sessions. Em um desses encontros musicais ele conheceu um jovem trompetista, cujo estilo melódico se enquadrava perfeitamente com a levada de seu sax barítono: Chet Baker.

Eles resolveram montar um grupo para apresentar-se ali mesmo no Haig. Mas os donos do clube haviam vendido o piano da casa porque tinham como atração fixa o trio de Red Norvo, comandado por seu vibrafone. Gerry Mulligan decidiu então criar uma sessão rítmica apenas com o baixo e a bateria para acompanhar seu sax e o trompete de Baker. Esse tornou-se seu fabuloso quarteto sem piano, um experimento que marcou profundamente a história do jazz.

O Quarteto de Gerry Mulligan com Chet Baker manteve o Haig lotado em todas as suas apresentações, em 1952. No mesmo ano eles lançavam o primeiro disco do grupo, que tinha Mulligan no saxofone barítono; Baker, no trompete; Bob Whitlock, no baixo; e Chico Hamilton, na bateria. Nights at the Turntable foi um dos temas gravados pelo pianoless quartet.

Gerry Mulligan deixou sua marca como o saxofone barítono mais importante da história do jazz. Ele tornou-se referência nesse instrumento para todas as gerações seguintes. Até sua morte, em 1996, ele atuou tanto como líder de pequenas formações, como comandando grandes orquestras.

Em 1991, Gerry Mulligan chegou a procurar Miles Davis, para que reeditassem a proposta do álbum Birth of the Cool. Davis se entusiasmou com a ideia, porém o destino não lhe permitiu participar do projeto, pois faleceu naquele mesmo ano.

Mulligan lançou o álbum Re-Birth of the Cool, em 1992, com um novo noneto, com Wallace Roney no trompete. Do grupo original participaram John Lewis, no piano; e Bill Barber, na tuba. Eles retomaram os antigos temas do disco emblemático, como a composição de Miles Davis, Deception, que teve o arranjo de Gerry Mulligan.

No vídeo a seguir temos uma apresentação de Mulligan, em 1981, com um quarteto sem piano, formado só por feras do jazz: Gerry Mulligan, no sax barítono; Bob Brookmeyer, no trombone; Ray Brown, no baixo; e  Art Brakey, na bateria. Eles tocam uma das composições marcantes da formação de Mulligan, Bernie’s Tune.


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Kamasi Washington e seu grupo em "Re Run Home"





Como prévia ao show de logo mais no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, vai aí uma performance de Kamasi Washington tocando, ao vivo na rádio KCRW, nos Estados Unidos.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Kamasi Washington toca pela primeira vez no Brasil



O saxofonista Kamasi Washington, aos 34 anos, é a nova sensação no mundo do jazz, responsável por situações incomuns nesse universo tão seletivo. Seu primeiro álbum, The Epic, um disco triplo, com 172 minutos de duração, foi eleito o álbum do ano pela revista DownBeat, com os votos de críticos de todo o mundo. O músico ganhou ainda mais dois prêmios, neste 64.o ano da revista. Ele foi eleito a estrela em ascendência no jazz e no saxofone. 

Inusitado, também, é que, além de conquistar os críticos, Kamasi Washington vem conquistando uma legião de fãs composta por jovens, que normalmente se interessariam por outros gêneros musicais. Seus shows são grandes espetáculos que necessitam salas amplas para as apresentações. Neles, inusitadamente, ainda, a plateia dança durante os concertos, o que não é comum mais, no jazz, depois da era do Swing.

O músico e sua banda se apresentam nesta quarta feira (05/04) no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro. No sábado e no domingo (08 e 09/04) se apresentam no Sesc Pompéia, em São Paulo.

No vídeo abaixo está o solo que eu gravei na apresentação de Kamasi Washington durante o Festival de Jazz de Marciac, na França, em agosto de 2016.


sábado, 1 de abril de 2017

O Improviso traz o Jazz & Bossa de Ron Carter




O programa Improviso deste sábado (01/04) destacou o repertório do álbum Jazz & Bossa, do genial baixista americano Ron Carter. Apaixonado pelo Brasil e pela música brasileira, ele traz maravilhosas interpretações de clássicos do brazilian jazz e apresenta suas composições, inspiradas no Brasil.

Ouça e acompanhe na Rádio Senado o Improviso, que traz o melhor do jazz brasileiro.

sexta-feira, 31 de março de 2017

O Brasil redescobre o samba jazz de Eliane Elias

Eliane Elias (Foto: Divulgação)Eliane Elias (Foto: Divulgação)
Na próxima semana, chega ao mercado brasileiro o disco Dance of Time, o 25.o da carreira solo da pianista Eliane Elias. Morando nos Estados Unidos desde 1981, Eliane Elias é uma esplêndida representante do jazz brasileiro no mundo, mesmo que o Brasil não saiba disso. Seu disco Made in Brazil ganhou o Grammy de Melhor Álbum de Latin Jazz, na premiação de 2016. E muita gente se perguntava: mas quem é Eliane Elias?

Criança prodígio, Eliane Elias foi estrela dos programas infantis, no finial dos anos sessenta, no rádio e na televisão, em São Paulo. Filha de uma pianista clássica, começou a estudar música aos sete anos de idade. Com dez anos se apaixonou pelo jazz. Nessa idade, já era capaz de transcrever e executar no piano os solos mais complicados de Bill Evans, Art Tatum ou Bud Powell.

Vendo o célere desenvolvimento musical da menina, sua mãe decidiu que ela não deveria ir para um conservatório tradicional. Aos 13 anos, Eliane Elias ingressou no Centro Livre de Aprendizado de Música - CLAM, o conservatório alternativo do Zimbo Trio. Lá, seu mestre foi o pianista Amilton Godoy, o líder do grupo, da o melhor professor de jazz em atividade no Brasil.

Eliane Elias conta que sua vida de adolescente estava toda voltada para a música. “Eu não ia à praia, nem saía para dançar. Eu só queria fazer música”, relata. Com isso, ela completou o programa do curso em dois anos. Amilton Godoy logo a convidou para integrar o corpo docente da escola. Com 15 anos, Eliane Elias já dava aulas de teoria musical, piano e improviso nos cursos de jazz da CLAM.

E como tudo parecia acontecer com Eliane Elias de maneira muito precoce, aos 17 anos ela passa a integrar a banda que acompanha Vinícius de Moraes e Toquinho em suas excursões pelo Brasil e pela América Latina. Há um curioso vídeo do Fantástico com Toquinho e Vinícius, de 1979, em que vemos Eliane Elias ao piano, dirigindo o grupo, aos 19 anos.

A paixão pelo jazz leva Eliane Elias a mudar-se para Nova York a fim completar sua formação na prestigiosa Juilliard School of Music. Com apenas um ano na cidade é convidada para fazer parte do quinteto Steps Ahead, um grupo importante naquele momento, com seu jazz de vanguarda, na linha do fusion. Sua presença injeta novo vigor à banda. O primeiro álbum dessa nova formação, o Steps Ahead (1983), é considerado o melhor disco do grupo.

A carreira solo de Eliane Elias começa em 1984, com o álbum Amanda, realizado em colaboração com seu então marido, o trompetista Randy Brecker. O título é uma homenagem à filha recém nascida do casal. O disco, no entanto, não teve muita repercussão. Somente quando assina com o selo Blue Note e lança o álbum So Far, So Close (1989) é que o trabalho de Eliane Elias começa a ser conhecido no meio jazzístico internacional.

O reconhecimento vem no ano seguinte, com o disco Eliane Elias Plays Jobim (Blue Note, 1990). Nesse álbum ela resgata suas raízes, interpretando o songbook de Tom Jobim, em clave de jazz, mas com todo o balanço brasileiro. Seus trabalhos seguintes para o selo Blue Note são marcados pelas mistura de samba e jazz, com um repertório em que os dois gêneros se complementam.

Em 1998, Eliane Elias retoma a interpretação da obra de Tom Jobim, dessa vez como cantora. O álbum Eliane Elias Sings Jobim (Blue Note) é o primeiro disco vocal de Eliane Elias. Só danço o samba é uma das músicas interpretadas por ela em seu segundo songbook de Jobim.

A partir daí, foram muitos discos, vários prêmios e três indicações para o Grammy até o álbum Made in Brazil, que lhe deu, finalmente a estatueta. Foi a primeira vez que Eliane Elias retornou aos estúdios brasileiros, desde que vive nos Estados Unidos. Ela queria gravar com músicos locais e que o clima de brasilidade transparecesse na obra. E tudo isso está na faixa No Tabuleiro da Baiana, de Ary Barroso.

Eliane Elias voltou ao Brasil para gravar, também, seu novo disco Dance of Time. Ela convidou para participar do álbum as pessoas que foram importantes em sua vida, desde o início de sua carreira. Estão os músicos brasileiros Toquinho e João Bosco e os americanos Randy Brecker, Mark Manieri e Marc Johnson.

O convidado mais especial de Eliane Elias nesse disco é seu mestre e mentor Amilton Godoy. Eles fazem o duo de piano na composição de Eliane Elias An Up Dawn. O álbum foi lançado nos Estados Unidos na sexta feira passada (24/03) e já está disponível nas plataformas digitais. Assim que podemos ter uma prévia dele também com as faixas O Pato e Sambou, sambou.

E para conhecermos mais do trabalho de Eliane Elias, no vídeo a seguir temos sua vertente mais jazzística junto com o grupo Steps Ahead. Eles se reuniram novamente no ano passado para uma turnê pelo mundo. Aqui vemos a apresentação no Festival Jazzaldia, no dia 24 de julho de 2016, em San Sebastian, no País Basco espanhol. O grupo tem Mike Mainieri, no vibrafone; Eliane Elias, no piano; Donny McCaslin, no sax tenor; Marc Johnson, no baixo; e Billy Kilson, na bateria. O tema que apresentam é The Time is Now mas antes temos Eliane Elias, no piano solo, com uma leitura muito particular de Asa Branca, de Luiz Gonzaga.

segunda-feira, 27 de março de 2017


Kamasi Washington, trocando a guarda nos portões do Jazz


Kamasi (Foto: Divulgação)

Kamasi (Foto: Divulgação)



Um guarda enorme protege o portão no alto da montanha. Na pequena vila ao pé do morro, os jovens guerreiros treinam intensamente para conseguir derrubar o guarda e assumir o controle da passagem. Porém, um a um, eles vão sendo vencidos a cada tentativa. Na chegada do último, o guarda treme, pressente que a sua hora está próxima. Ele vê que aquele é o guerreiro que lhe poderá vencer, porque traz o bem em seu coração.

Esse argumento de mangá, a história em quadrinhos japonesa, foi um sonho que o saxofonista Kamasi Washington transformou na suíte The Epic. São 172 minutos de música, que se estendem por um cd triplo, gravado com sua superbanda The Next Step, composta por dois tecladistas, dois baixistas, dois bateristas, três sopros, um pianista e uma cantora. Completando o muro sonoro, o suporte de uma orquestra de 32 instrumentos e um coral de 20 vozes.

Kamasi Washington, aos 34 anos, é a nova sensação no mundo do jazz, responsável por situações incomuns nesse universo tão seletivo. Seu disco inusitado foi eleito o álbum do ano pela revista DownBeat, com os votos de críticos de todo o mundo. O músico ganhou ainda mais dois prêmios, neste 64.o ano da revista. Ele foi eleito a estrela em ascendência no jazz e no saxofone. 

Os resultados acabam de ser publicados na edição de agosto da DownBeat, que é a mais importante publicação na área do jazz.

Inusitado, também, é que, além de conquistar os críticos, Kamasi Washington vem conquistando uma legião de fãs composta por jovens, que normalmente se interessariam por outros gêneros musicais. Seus shows são grandes espetáculos que necessitam salas amplas para as apresentações. Neles, inusitadamente, ainda, a plateia dança durante os concertos, o que não é comum mais, no jazz, depois da era do Swing.

O saxofonista Kamasi Washington, é integrante do coletivo West Cost Get Down, que reúne artistas de diferentes gêneros e meios de expressão. Eles têm em comum o fato de haverem crescido na região violenta de South Central, em Los Angeles, e terem frequentado as oficinas que o Movimento Black Arts - o braço cultural do Black Power - ministrava no centro Leinert Park. Ali, além das aulas de arte e música, os jovens negros recebiam lições de cidadania, reforçando o orgulho de sua identidade afro americana.

E uma das leituras que mais influenciaram o jovem Kamais nessa época foi a Autobiografia de Malcom X. Ele conta ter sentido a potência daquelas ideias e identificado que tinha uma responsabilidade a cumprir. Não queria ser parte de um modelo de autodestruição e sim, tornar-se uma força positiva de mudança neste mundo. O pensamento de Malcom X está plasmado em uma das faixas de The EpicMalcom’s Theme.

O West Cost Get Down tem gerado outros nomes que se destacam, igualmente, por sua qualidade e implicaçāo política, entre eles o rapper Kendrick Lamar. Kamasi Washington fez os arranjos de cordas e tocou o saxofone no álbum de Lamar To Pimp a Butterfly. O disco ganhou cinco Grammys na premiação deste ano. A música Alright, de Kendrick Lamar, tornou-se o hino do movimento Black Lives Matter, depois que seu refrão passou a ser cantado nas manifestações em protesto à violência policial contra os negros.

Kamasi Washington se considera um exemplo perfeito dos argumentos apresentados pelo Black Lives Matters. Negro, alto, forte, costumava ser visto na rua como uma ameaça eminente, sendo agredido do nada, apenas por prevenção. O músico relata que depois que começou a usar as batas africanas que veste, junto com a barba e a cabeleira densas, sua figura exótica deixou de assustar as pessoas.

The Epic estaria incluída em um contexto envolvendo outras obras que expressam a condição do negro nos Estados Unidos. Para alguns críticos, Kamasi seria a voz jazz do Black Lives Matter, pois fala do que essas pessoas estão sentido ao ter que lidar com o trauma da violência racial.

O álbum oferece um panorama da história da Black Music americana, desde o gospel, o blues e o jazz, até o rhythm and blues e o funk, com ecos de Marvin Gaye, Curtis Mayfield e Stevie Wonder. Nele estão presentes, ao mesmo tempo, as influências de John Coltrane, especialmente dos discos A Love Supreme e Transition - que escutava com seu pai - e as cordas e coros de Stravinsky, que estudou na Universidade da California – UCLA.

O tema Change of Guards, que abre o disco, é quase uma metáfora do que Kamasi Washington representa, neste momento, para o jazz, o novo que se apresenta para render a antiga tradição. Ele tira o jazz das catedrais e o traz novamente para as ruas, aproximando essa música das plateias que a tinham distante. No link The Epic se pode acessar o disco e escutá-lo na íntegra. No vídeo a seguir temos uma apresentação de Kamasi Washington e The Next Steps na faixa Leroy and Lanisha.

A saga descrita no sonho de Kamasi, que deu origem ao disco, será transformada em uma história em quadrinhos. O roteiro está sendo elaborado pelo músico, junto com desenhistas do coletivo West Coast Get Down.