sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Moacir Santos e o seu “Coisas” homenageados por Wynton Marsalis em Nova York 

Compositor prolífico, sua música mescla as influências afro latinas combinadas com o improviso e as harmonias do jazz.
No último final de semana, em Nova York, a Orquestra de Jazz do Lincoln Center, dirigida pelo trompetista Wynton Marsalis, prestou um tributo ao maestro Moacir Santos. A homenagem teve como título “The Brazilian Duke Ellington”. No repertório, as peças do álbum Coisas, de 1965, ganharam novos arranjos dos integrantes da orquestra.
Compositor prolífico, sua música mescla as influências afro latinas combinadas com o improviso e as harmonias do jazz. É o próprio Wynton Marsalis quem ressalta que Moacir Santos, falecido em 2006, ainda não teve o reconhecimento que merece, como um dos músicos mais importantes do Brasil.
Trajetória singular e muito especial a desse maestro negro nascido em 1926, na pequena Flores do Pajeú, hoje município de Serra Talhada, interior de Pernambuco. Órfão aos dois anos, o menino Moacir foi adotado por uma família branca da cidade. Se de uma parte, pôde ter acesso a educação escolar e musical, de outra, sofreu com os maus-tratos de seus pais adotivos.
Com quatorze anos, Moacir Santos fugiu dessa casa. De carona em um caminhão de feijão, foi parar em Rio Branco, no Acre. Sua formação musical lhe proporcionou ali uma nova família. O maestro da escola local, adotou o jovem, que além do saxofone, da clarineta e do trompete, ainda tocava o banjo, o violão e o cavaquinho.
Mudou-se com essa família para Recife, mas acabou desentendendo-se, também, com o novo padrasto e caiu na estrada outra uma vez. Entrou para uma trupe de circo. Viajou todo o Nordeste com o grupo e parou na Paraíba. Em João Pessoa, assumiu o comando da Orquestra da Rádio Tabajara, no lugar do maestro Severino Araújo, que estava indo para o Rio.
Tudo isso Moacir Santos viveu antes de completar dezoito anos de idade.
Moacir Santos (Foto: Agliberto Lima / AE)
Moacir Santos (Imagem: Agliberto Lima / AE)

Em 1948, aos 22 anos, vai tentar a vida no Rio de Janeiro. Com o talento e a sorte, não demora a ser contratado como saxofonista da Orquestra da Rádio Nacional, o melhor emprego que um músico poderia encontrar, naquela época.
Muito aplicado, Moacir Santos foi estudar música clássica e formou-se em regência. Foi para os Estados Unidos em 1967, onde construiu uma sólida carreira como compositor, arranjador e professor.
Em seus tempos de Rádio Nacional, era para o aluno Baden Powel que Moacir Santos costumava mostrar suas composições. “Ouve essa coisa que eu fiz”, dizia ele a Baden. “E ouve essa outra coisa aqui...”. Assim se referia o músico às suas peças.
Quando foi gravar seu primeiro álbum solo, o engenheiro lhe perguntou o nome da música que havia tocado. Nesse momento veio a inspiração das peças clássicas, denominadas por número, e ele a batizou como a Coisa nº 1, da mesma maneira que uma sinfonia. As outras músicas foram, naturalmente, a Coisa nº 2, a Coisa nº 3 e assim, adiante. O disco, lançado pela gravadora Forma, ganhou o nome superoriginal: Coisas.
Wynton Marsalis e a Jazz at Lincoln Center Orchestra tocaram algumas dessas Coisas e outros temas compostos por Moacir Santos. O melhor foi que o concerto pôde ser acompanhado, ao vivo pela internet. Vale a pena seguir a programação da orquestra no endereço: http://new.livestream.com/jazz..
O tema que abriu o programa foi Amphibious, que podemos escutar aqui em uma apresentação de 2005, com Wynton Marsalis e Zé Nogueira.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Esperanza Spalding, catedrática aos 30 anos - Artigo no Blog do Noblat

Os 30 anos de Esperanza Spalding, a jovem catedrática do baixo

Quatro álbuns solo, e participações em discos de Joe Lovano, Stanley Clark, Mike Stern, Jack DeJohnette, entre outros, Esperanza Spalding é um talento consagrado.
Amanhã, 18 de outubro, a jovem baixista americana Esperanza Spalding completa 30 anos de vida. Apesar de tão nova, ela já tem 15 anos de carreira e quatro prêmios Grammy. É verdadeiramente um prodígio. E por não acreditar em prodígios, demorei a dar o devido crédito que ela merece.
Quando ganhei de presente o cd Esperanza, de 2008, seu segundo álbum de estúdio, não me entusiasmei muito. Demorei a escutá-lo. Pensava que seria mais uma nova cantora de jazz. E da mesma maneira que surgia, desapareceria, sem deixar grandes marcas.
Mas, para minha surpresa, não foi assim. Na primeira audição, o primeiro impacto, uma peça difícil, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, Ponta de Areia, abre o disco. Onde essa menina, com 24 anos então, havia ido buscar um repertório de música brasileira tão sofisticado? Mais ainda porque o disco encerra com outro tema, igualmente, muito difícil, Samba em Prelúdio, de Baden e Vinícius.
Quando conhecemos sua história a admiração cresce. Nascida em Portland, no Oregon,
Esperanza Spalding foi criada pela mãe em um bairro que ela descreve como “assustador”. O pai, desaparecido, era negro, enquanto a mãe era descendente de índios americanos e porto-riquenhos.
Em sua casa se ouvia muita música, de todos os gêneros. E ela, desde pequena, além de soul, jazz, mambo ouvia Chico Buarque, Milton Nascimento e João Bosco. A paixão pela música surgiu muito cedo, aos cinco anos, vendo Yo-Yo Ma tocando seu cello em um programa infantil na televisão. Ela conta ter dito à sua mãe que era aquilo que queria fazer.
Sua mãe conseguiu que a criança fosse aceita na Chamber Music Society of Oregon e iniciasse ali as lições de violino. Esperanza Spalding deixou a instituição como concertista, aos 15 anos. E foi por essa época que descobriu o jazz e passou a tocar o baixo, integrando um grupo que tocava em casas noturnas de Portland.
Aos 16 anos, faz o exame de ingresso no Berklee College of Music, a mais prestigiosa escola de jazz dos Estados Unidos. Além de ser aceita, seu desempenho lhe garantiu uma bolsa de estudos integral. E lá pôde desenvolver seu talento, estudando e tocando com alguns dos músicos mais importantes do jazz. Entre seus grandes incentivadores estão Jonh Lockwood, Pat Matheny e Joe Lovano.
Quando se formou, aos 20 anos, Esperanza Spalding foi convidada para permanecer na instituição como professora de seu instrumento, o baixo. Tornou-se a professora mais jovem a ser contratada na história de Berklee College.
Hoje, com quatro álbuns solo, e inúmeras participações em discos de Joe Lovano, Stanley Clark, Mike Stern, Jack DeJohnette, entre outros, Esperanza Spalding é um talento absolutamente consagrado. Seus novos caminhos a têm aproximado mais ao pop e ao soul, sem contudo afastar-se do jazz.
Vale a pena assistir sua performance ao vivo com Ponta de Areia. Com ela estão Leo Genovese, nos teclados, Ricardo Vogt, na guitarra e Otis Brown no baixo. E todos a acompanham no vocal.

domingo, 5 de outubro de 2014

Gato Barbieri, o jazzman argentino que aprendeu com Glauber Rocha a gostar de tango

Leandro “Gato” Barbieri, completa 80 anos em novembro próximo. Uma lenda do Latin Jazz, que antes renegava suas raízes latinas. Em um momento de crise de identidade, e de criatividade, foi o cineasta brasileiro Glauber Rocha quem lhe deu o empurrão definitivo de volta às origens. E foi a leitura jazzy do tango que projetou Barbieri no cenário internacional.
Desde pequeno, Gato Barbieri se ligava no jazz. O tango e outros gêneros tradicionais de seu país não o atraíam nem um pouco. Ele faz parte de uma geração, que, de certa maneira, rechaçava o tango. Essa música andava meio esquecida na Argentina de sua juventude. Era vista como coisa de velhos.
Gato Barbieri deixou a Argentina em 1962, depois que a cena jazz portenha ficou pequena demais para seu talento. Passou quase um ano no Rio de Janeiro, mas não ficou. Pôde, contudo, conhecer bem a música brasileira, como a peça Antonico, que gravaria depois.
Seguiu para Roma onde, ali sim, sua carreira deslanchou, junto com o grupo de free jazzdo trompetista Don Cherry. O estilo marcante do sax tenor de Gato Barbieri, com seu som rascante, meio rouco, e seus sobreagudos, vem do free jazz. Seu saxofone, às vezes, fala e outras, grita, forte.
Foi em sua temporada romana que Gato Barbieri conheceu Glauber Rocha, por meio do cineasta Gianni Amico. Barbieri já estava morando em Nova York, quando Glauber Rocha foi passar dois meses em sua casa, em 1968.
Gato conta que vivia um momento difícil, com o saxofone, havia meses, encostado. Pensava que nunca mais voltaria a tocar. Na origem de sua crise, o dilema: se o jazz era a linguagem do negro oprimido, não poderia ser a sua, que era branco e, como tal, opressor.
“Glauber Rocha me fez um raciocínio muito simples e impecável. Me fez ver que não bastava ser branco para ser opressor. Que nós, os latino americanos, da mesma maneira que os negros, pertencemos a outro mundo, igualmente oprimido, o Terceiro Mundo”, relata Barbieri.
Gato Barbieri voltou a Buenos Aires, em 1969, atrás de suas raízes. Recuperou a identidade perdida ouvindo as músicas que lhe haviam marcado, sem dar-se conta. Fez uma série de concertos em que tocava os tangos, boleros e chacareras de sua terra, junto com jazz e samba. Retornou a Nova York renovado. Lá, gravou o disco The Thrid World, o primeiro a refletir sua “riqueza de subdesenvolvido”, nas palavras de Glauber Rocha.
Quando Bernardo Bertolucci o convidou para escrever a trilha sonora de O Último Tango em Paris, Gato Barbieri estava pronto. Trilha sonora e filme se integram e se complementam perfeitamente. O êxito do filme levou a música de Barbieri para o mundo.
A popularidade definitiva veio com o álbum Caliente, de 1976, produzido por Herb Alpert. Nele está a peça Europa, composição de Carlos Santana. No vídeo a seguir, de 1977, um raro registro dos dois músicos tocando esse tema.