quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O jazz se despede do ritmo preciso de Jimmy Cobb

O baterista Jimmy Cobb, era um dos poucos músicos que podiam contar, em primeira pessoa, as grandes histórias do jazz. Ele morreu no domingo (24/05),  aos 91 anos, de um câncer no pulmão. Cobb tocou com Charlie Parker, acompanhou Billie Holiday e fez parte do sexteto de Miles Davis no histórico álbum Kind of Blue. Em sua simplicidade, o músico dizia ter tido a sorte de estar no lugar certo, na hora certa.

 

Com uma infância difícil, Jimmy Cobb começou a trabalhar cedo, para ajudar a mãe, separada do marido. Engraxate, jornaleiro, mensageiro, o menino fazia de tudo para conseguir levar algum dinheiro para casa. Mas seu sonho era tocar a bateria, como ouvia nos discos de jazz, que escutava na casa de um amigo. Adolescente, comprou o instrumento com o primeiro dinheiro que conseguiu juntar.

 

“Eu descobri, que tocar a bateria era o que eu mais gostava de fazer”, contava Cobb. “Quando eu aprendi o suficiente para tocar bem, descobri que era aquilo que eu queria fazer pelo resto de minha vida”. Antes de completar 20 anos, Jimmy Cobb já era um profissional nos clubes de Washington, sua cidade natal.

 

Jimmy Cobb tornou-se um grande baterista de acompanhamento. Ele desenvolveu uma técnica elegante e discreta, deixando a bateria em um aparente segundo plano, porém com o ritmo constante, como um relógio. Por longo tempo foi o baterista de Dinah Washington, com quem foi casado, e Sarah Vaughan. Diferente dos bateristas de sua época, como Max Roach e Art Blakey, Jimmy Cobb não marcava o tempo forte no bumbo, e sim no prato, suavizando a sonoridade da bateria no conjunto. 

 

A seu ver, a experiência no acompanhamento de vocalistas, foi fundamental para a formação de seu estilo. “Trabalhando com cantores, você precisa ser sensível”, explicava ele. "Precisa ouvir e participar do que está acontecendo ali”. Essa sonoridade, feita com baquetas e vassouras nos pratos da bateria foi o que levou Miles Davis a convidá-lo para a gravação de Kind of Blue. É o som da bateria de So What, a primeira faixa do disco.

 

Jimmy Cobb contava que Miles Davis não costumava dar indicações detalhadas a seus músicos. Ele levava apenas alguns rascunhos e explicava o que iria tocar. “Miles confiava em todos nós, porque sabia que éramos bons músicos. Antes da gravação ele só me disse: ‘Jimmy, você sabe o que fazer, apenas faça a bateria soar, como se estivesse flutuando’”.

 

Um pouco do trabalho posterior de Jimmy Cobb podemos ouvir nas faixas Sweet And Lovely, do álbum Cobb's Groove (2003); My Romance, do álbum Cobb's Corner (2007) e We'll Be Together Again, do álbum Jazz in the Key of Blue, (2009).

 

No vídeo a seguir temos o quarteto de Jimmy Cobb com Brad Mehldau, ao piano; Peter Bernstein, na guitarra; e John Webber, no baixo, com a peça Stranger in Paradise, gravado no  Smoke Jazz Club, em Nova York, em 2014.


O jazz sem amarras do eclético George Duke

Estudante de música no Conservatório de São Francisco, na Califórnia, o jovem pianista George Duke sentia-se tolhido no mundo dos clássicos. Foi seu primo, o baixista Charlie Burrell que o convenceu a dedicar-se ao jazz. “Você não quer ser livre, poder tocar o que você sente? Vem para o jazz, você vai poder improvisar e fazer o que você quiser”. Burrell não precisou de muito mais argumentos para convencer Duke a buscar uma nova formação musical.

 

Nascido em San Rafael, na Califórnia, em 1936, George Duke começou a estudar o piano aos sete anos de idade, na igreja batista que a família frequentava. O funk e o jazz, no gospel da igreja, foram suas primeiras influências. Os estudos o levaram para o clássico, até formar-se no Conservatório, em 1967. Mas nessa época, ele já se dividia entre o clássico com o jazz, tocando com o grupo do cantor Al Jarreau.

 

A grande virada na vida de George Duke se deu quando ouviu no rádio o violinista francês Jean-Luc Ponty. Sabendo que o músico iria gravar na Califórnia por aqueles dias, Duke se ofereceu como pianista para essas sessões. A relação de muito certo e resultou no álbum Jean-Luc Ponty Experience with the George Duke Trio, de 1969.

 

George Duke e Jean-Luc Ponty fizeram grande sucesso nas apresentações em clubes de jazz em São Francisco. O som da banda fazia um contraponto, na Costa Oeste, às experiências do jazz fusion, que se desenvolvia na Costa Leste, capitaneadas por Miles Davis, The Mahavishnu Orchestra e o Weather Report. Os concertos chamaram a atenção de músicos como o saxofonista Cannonball Adderley e o guitarrista Frank Zappa, o líder do Mother of Invention. Zappa o convidou Duke para integrar o Mother of Invention. 

 

George Duke esteve com grupo de Zappa até Cannonball Adderley chamá-lo para sua banda, em 1971. O pianista passou a alternar seu trabalho entre o rock feroz de Zappa e o jazz mainstreamde Adderley. Duke conta que, com Zappa aprendeu a ter a mente aberta para todas as influências e gêneros musicais. Já a colaboração com Adderley o aproximou das raízes mais profundas do jazz.

 

Em sua carreira solo, com mais de 40 discos gravados, o grande êxito de George Duke foi o álbum A Brazilian Love Affair, de 1979. Parte das gravações foi feita no Rio de Janeiro, com músicos brasileiros e americanos. Não é um disco de música brasileira, mas sim marcado pela musicalidade brasileira nas composições de Duke, como na faixa Up From the Sea... O disco tem participações especiais de Milton Nascimento, Flora Purim e Airto Moreira. 

 

No vídeo a seguir, temos George Duke, em uma apresentação de 2011, com outro tema do álbum A Brazilian Love Affair, Cravo e Canela, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Aqui, sua performance no Java Jazz Festival, em Jacarta, em 2011. George Duke faleceu em agosto de 2013, de uma leucemia crônica. 


O baião jazz da sanfoneira grega Magda Giannikou

Uma nova geração de artistas de jazz vem descobrindo a música brasileira, para além da bossa nova. Muitos desses novos talentos têm surgido no Berklee College of Music, de Boston, a grande universidade americana do jazz. A reunião de estudantes do mundo inteiro proporciona um rico intercâmbio entre diferentes culturas musicais. Um exemplo disso é a Banda Magna, liderada pela multinstrumentista Magda Giannikou.


Nascida em Atenas, em 1981, Magdalini Giannikou é pianista, acordeonista, cantora, compositora, arranjadora, produtora e o que mais puder fazer no campo musical. Filha de uma professora de piano, ela começou a estudar música já desde muito pequena. Graduou-se em piano clássico e composição no Conservatório Nacional da Grécia e fez uma especialização em jazz no Instituto Nakas, em Atenas. 

O jazz era uma paixão que ela adquiriu com o pai. Apesar de não ser músico, ele tinha uma coleção fantástica de jazz e músicas de todo o mundo. Foi em casa que ela conheceu a música brasileira, e não só Tom Jobim e João Gilberto, os mais tocados no mundo inteiro. Seu pai ouvia ainda Ary Barroso, Dorival Caymmi e, surpreendentemente, Luiz Gonzaga.

 

Magda Giannikou já era um sucesso em seu país, escrevendo músicas para cinema, teatro e programas infantis de televisão, quando resolveu mudar-se para os Estados Unidos. Ela foi completar seus estudos em jazz e música para cinema, em Berklee. Nessa universidade de Boston, ela conviveu com músicos italianos, colombianos, argentinos, brasileiros, japoneses e de várias nacionalidades. 

 

Quando se formou, em 2010, Magda Giannikou fixou-se em Nova York e ali reuniu alguns de seus antigos amigos de Berklee e montou a Banda Magda. O som do grupo, traz uma mistura de jazz e clássico, temperado com as influências dos ritmos brasileiros, da cumbia, do tango, da chansonfrancesa, além das raízes gregas de Giannikou. 

 

Aliás, fundamental na sonoridade do grupo é o acordeom tocado por Magda. Dedicada sempre ao piano, ela descobriu o acordeom em uma de suas férias na Grécia. Em visita à antiga casa da família, ela ficou fascinada em ouvir as melodias gregas tradicionais entoadas pela avó, com aquele instrumento. Era como se ouvisse o acordeom pela primeira vez. A partir daí passou a dedicar-se a seu estudo e o incorporou ao som da banda. 

 

Magda Giannikou canta e compõe em seis idiomas, mistura linguagens musicais e idiomas. Compõe samba em francês, como o que dá título ao primeiro álbum da Banda Magda, Amour, t’es là?, de 2013. Canta em italiano, a composição de Vinícius, Toquinho e Sergio Bardoti Senza Paura, e em português, interpreta Doralice, peças que estão no álbum Yerakina, de 2014. No álbum Tigre, de 2017, a grande surpresa é sua recriação para o baião Vem Morena, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

 

No vídeo a seguir temos a Banda Magda em uma versão ao vivo de outro tema de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, Sabiá.


sábado, 9 de maio de 2020

Ginger Baker, o baterista que levou o jazz para o rock


O baterista Ginger Baker, falecido aos 80 anos, em seis de outubro de 2019, foi um dos responsáveis pela definição do estilo da bateria no rock moderno. Sua performance no power trio Cream, formado em 1966, com o baixista Jack Bruce e o guitarrista Eric Clapton, influenciou todas as gerações de bateristas que vieram depois. Baker, no entanto, dizia que nunca tocou rock and roll, ele era um baterista de jazz. E do jazz vinha sua maneira especial de tocar, que transformou o mundo do rock.

Peter Edward Baker começou a tocar bateria aos 15 anos de idade, em Lewisham, Sul de Londres, onde nasceu. Lá ele ganhou o apelido de Ginger, por causa de sua cabeleira ruiva e revolta. Ginger Baker fez carreira na noite londrina tocando em grupos de jazz e absorvendo as influências bebop americano. Ele incorporou a seu estilo as batidas desenvolvidas pelos mestres do jazz como Art Blakey, Max Roach, Elvin Jones e Philly Joe Jones. 

Com a advento da onda do blues na Inglaterra, no início dos anos 60, Baker foi convidado para tocar com a banda Blues Incorporated, onde conheceu o baixista Jack Bruce, em 1960. De seu temperamento complicado, Baker estabeleceu uma relação tumultuada com Bruce, logo de início. Apesar disso, anos depois, em 1966, eles organizaram a banda Cream, junto com Eric Clapton. 

O Cream desenvolveu uma  revolucionária fusão entre o blues, o jazz e o rock, marcada pela batida jazzística da bateria de Ginger Baker. Ele ainda inovou no formato do instrumento, montando o conjunto com dois bumbos, que imprimia um grave mais profundo ao seu som. A banda gravou quatro álbuns, vendeu mais de 15 milhões de discos, em seus apenas dois anos de carreira. Com o Cream, Baker gravou o seu primeiro longo solo de bateria em Toad, faixa do álbum de estreia do grupo Fresh Cream, de 1967. 

De sua época no Cream, Ginger Baker costumava dizer que ele não tocava, e nunca tinha tocado, rock and roll. “O Cream eram dois músicos de jazz e um guitarrista de blues, tocando música improvisada. A gente nunca tocava a mesma coisa, duas noites seguidas. Aquilo era jazz”. argumentava Baker. 

Mas Ginger Baker pôde dedicar-se completamente ao jazz nos anos noventa, quando foi morar nos Estados Unidos. Em 1994 ele formou o Ginger Baker Trio, com Charlie Haden no baixo e Bill Frisell, na guitarra. O trio gravou dois álbuns, especialmente marcantes na discografia do jazz. O primeiro, Going Back Home, de 1994, em que se destacam os temas Ramblin Ginger Blues. O segundo, Falling of The Roof, de 1996, que tem a faixa título baseada em um tema que Ginger Baker escreveu depois de cair do telhado, que estava consertando, em sua fazenda no Colorado.

No vídeo a seguir, temos o Ginger Baker Trio, em uma apresentação no Festival de Jazz de Frankfurt, na Alemanha, em 1995. O tema é In the Moment, em que Ginger Baker desenvolve um inspirado solo de sua bateria personalíssima. Descanse em Paz, Ginger Baker.

Morre Lyle Mays, o genial pianista do Pat Metheny Group



O pianista Lyle Mays, que morreu no último dia 10 de fevereiro, aos 66 anos, era grande parceiro do guitarrista Pat Metheny. Mays era o nome oculto no Pat Metheny Group, dividindo com o guitarrista todas as composições do grupo e respondendo pela maior parte de seus arranjos musicais. Pilotando o piano, os teclados e os sintetizadores, Lyle Mays levou para a banda a sonoridade da vanguarda contemporânea, que era a marca registrada do grupo.

Formado em 1977, o Pat Metheny Group incorporou ao seu estilo de jazz elementos do rock e de outras músicas do mundo, como o samba brasileiro. O grupo ganhou 11 prêmios Grammy em seus 33 anos de atividade. O último trabalho de Lyle Mays com Pat Matheny foi a gravação do álbum The Way Up, editado em 2005.

“Lyle foi um dos maiores músicos que eu pude conhecer” escreveu Pat Metheny em suas redes sociais, despedindo-se do amigo. “Durante mais de trinta anos, cada momento que dividimos, fazendo música, foi especial. Desde as primeiras notas que tocamos juntos, encaixamos, imediatamente. Sua enorme inteligência e imensa sabedoria musical mostravam quem ele era em cada momento. Eu vou sentir muita falta dele, com todo meu coração”.

Além da longa parceria com Pat Metheny, Lyle Mays desenvolveu uma carreira solo, que lhe rendeu quatro indicações para os Grammy. Ele ainda compôs, produziu e tocou com outros importantes músicos e grupos como Earth, Wind & Fire; Bobby McFerrin, Rickie Lee Jones, Joni Mitchell, entre outros.

Lyle Mays havia deixado a música, como profissão, em 2011. Ele dizia que a música - na verdade, a indústria musical - o havia deixado, pois ninguém mais queria pagar para ouvir música. Nos últimos tempos, Mays dedicava-se a desenvolver softwares e fornecer consultoria de informática, atividade alternativa que havia adotado ao longo do tempo.

Uma síntese do trabalho solo de Lyle Mays é o álbum Street Dreams, de 1988, com as peças: ChorinhoPossible Straight e a experimental Street Dreams 2. No vídeo a seguir temos Lyle Mays e seu grupo, em uma de suas últimas apresentações, no evento TEDxCaltech, no Instituto de Tecnologia da California, em janeiro de 2011. Aqui ele explora os algoritmos e usa os computadores para desenhar os improvisos sobre o tema Before You Go!, composição de Lyle Mays, que tem o samba como inspiração.